A ameaça de infecção pela superbactéria nos hospitais públicos e privados mudou a rotina dos profissionais de saúde e também dos familiares de pacientes internados, principalmente nas unidades de tratamento intensivo (UTIs). Eles temem o surgimento de novos casos de contaminação pela Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC) e cobram providências para controlar o surto de infecções.

A Secretaria de Saúde adotou o silêncio diante do problema, mas a assessoria de comunicação do órgão garante que hoje serão divulgadas novas estatísticas de casos nas redes pública e particular.

De acordo com o mais recente balanço, divulgado no início do mês, 14 pessoas já morreram em decorrência de contaminações pela superbactéria e outros quatro casos estão sob investigação, somente este ano. Mas esse número pode ser bem maior.

Apesar de a Secretaria de Saúde garantir não haver motivo para alarde com o surto da KPC, o fato é que a rotina nos principais hospitais da rede pública foi alterada. A transferência de doentes de leitos, segundo parentes de pacientes ouvidos pela reportagem, virou uma constante.

O irmão do servidor público Ronaldo Oliveira da Costa, 37 anos, está internado desde o fim do mês passado no Hospital de Base, após um atropelamento que lhe rendeu uma fratura na coluna. Segundo Ronaldo, passados mais de 15 dias, até hoje o irmão não conseguiu ser submetido ao procedimento e, em menos de duas semanas, trocou de leito duas vezes. “Ele estava na neurocirurgia do pronto-socorro e, na semana passada, foi transferido para o terceiro andar. Agora, já mudaram de quarto outra vez. Conversei com vários enfermeiros e eles me disseram que é para evitar a bactéria”, contou Ronaldo.

Para prevenir a doença, médicos e enfermeiros, especialmente os que atuam nas UTIs, têm sempre que leavar as mãos, usar luvas, capotes e aventais, além de seguir à risca as medidas de isolamento de pacientes infectados.

Um profissional que atua na UTI do Hospital de Base revelou ao Correio que é recorrente a falta de alguns materiais, como álcool e gaze estéril. “Mas o mais grave é a falta de pessoal. Os médicos e enfermeiros têm que se dividir entre os pacientes, atendendo os infectados e os não infectados. De uma semana para cá, liberaram a realização de hora extra, o que melhorou um pouco a situação”, contou o profissional, que não quis se identificar.

Ele ressaltou ainda o clima de medo na UTI do maior hospital da rede pública de Brasília. “Até a polimixina, um dos únicos antibióticos que podem ser usados no combate à KPC, tem faltado. Recentemente, um menino de 13 anos foi infectado na UTI. A falta de álcool é um motivo de revolta para a gente e também para os familiares que vêm visitar pacientes”, acrescenta o profissional.

Orientação
Na maior unidade de saúde do DF, servidores, pacientes e acompanhantes denunciam a falta de orientação sobre como se comportar diante do aumento no número de pacientes contaminados pela superbactéria.

“Meu pai está internado com traumatismo craniano desde segunda-feira e, até agora, ninguém do hospital apareceu para me dizer o que eu devo ou não fazer para que essa bactéria não se espalhe. Não tem sequer um cartaz, nem álcool em gel suficiente para desinfectar as mãos. Acho que eles estão tratando essa bactéria como uma coisa pequena e, pelo número de mortos, dá para perceber que é muito grave”, disse a funcionária pública Tailinny Alves da Silva, 26 anos.

Já no Hospital Regional de Santa Maria, onde já foram confirmadas quatro mortes por KPC, são os próprios servidores que se unem para não deixar que insumos como álcool em gel faltem nas prateleiras.

Um enfermeiro que preferiu não se identificar disse ter comprado cinco frascos do produto. “Diante do grave problema que todas as autoridades da área insistem em minimizar, tento ajudar de alguma forma. Pelo menos colaboro para manter todos aqueles que trabalham comigo em condições de atender um paciente sem correr o risco de transmissão da bactéria”, afirmou.

Sem leitos
A falta de leitos em UTI no sistema público de saúde é um dos empecilhos ao controle das contaminações. Isso porque, diante da escassez de vagas, é comum os pacientes serem transportados de um hospital a outro, inclusive para unidades da rede privada. Muitos só conseguem leitos por decisões judiciais e as transferências são recorrentes.

O infectologista Alexandre Cunha, do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, diz que o uso indiscriminado de antibióticos é uma das causas do surgimento da superbactéria nos hospitais de Brasília. “As bactérias sofrem mutações, se adaptam e criam mecanismos de resistência para escapar dos antibióticos”, explica.

Transferências
Para o especialista em infecções, o problema é mais recorrente na rede pública. “Nos hospitais públicos, o uso desse tipo de medicamento é feito de maneira mais prolongada, já que os pacientes normalmente apresentam estado de saúde mais grave. Em caso de transferência para a rede particular, até por conta de decisões judiciais, esses pacientes podem levar as bactérias, que acabam se disseminando”, afirma.

Nem todos os pacientes diagnosticados com a KPC têm infecções causadas pelo micro-organismo. Na maioria dos casos, a superbactéria aparece na análise de material coletado do sistema digestivo (a coleta é feita na região perianal) do paciente, mas não há processo infeccioso. “Esses casos são preocupantes, já que a bactéria é de difícil tratamento. Não há perspectiva do surgimento de novos antibióticos pelos próximos cinco anos. Os médicos têm que usar os medicamentos à disposição”, explica Alexandre Cunha.

A superbactéria KPC é resistente a 95% dos antibióticos. Por isso o combate à sua proliferação se torna tão difícil, aliado à desinformação e à falta de higiene.

(Fonte: Helena Mader e Saulo Araújo, Correio Braziliense)