É prática usual no mercado que empresas de grande porte que atuam em segmentos intensivos em capital, busquem fontes de financiamento para projetos de longo prazo. A Eletrobras não é diferente e por isso possui vários tipos de dívidas. Entre elas estão dois títulos tipo “bond”, com vencimento em 2019 e 2021. Esses títulos de dívida são negociados nos mercados financeiros do Brasil e do exterior.

Da mesma forma que outros tipos de financiamento, esses possuem em seus contratos cláusulas de cobertura que são chamadas de covenant. O descumprimento dessas cláusulas constantes no contrato permite a cobrança antecipada da dívida, se assim exigirem os credores. Ou seja, caso uma das cláusulas seja descumprida, o detentor da dívida pode exigir o pagamento total antecipadamente.

No caso dos bonds, que venceriam em 2021, o montante de US$1,7 bilhão, por exemplo, poderia ser cobrado em 2018. Entre os vários covenants nos contratos da Eletrobras, existe uma cláusula específica, muito usual em contratos de dívidas lançados no mercado, que trata da mudança no controle societário.

Segundo essa cláusula, a mudança do controlador da empresa pode levar a cobrança antecipada da dívida e, por isso, pode ser um empecilho para a privatização da Eletrobras, caso seja levado adiante o plano do governo de “democratização das ações”. É de conhecimento público a existência de tal cláusula. Está no Formulário de Referência da empresa entregue à CVM que uma mudança do controlador dá direito de retirada da dívida. (Ver página 297 – item 10.1 – Condições Financeiras e Patrimoniais Gerais, alínea IV restrições contratuais do Formulário de Referência da Eletrobras.

Como os bonds (títulos de dívida) são negociados nos mercados financeiros, não há garantia de que um de seus detentores não irá à justiça exigir o direito de cobrança antecipada da dívida. A cobrança pode ser feita, inclusive, na justiça americana. Fica claro, portanto, que a privatização, segundo o modelo proposto pelo governo, abre brecha para atuação dos chamados “fundos abutres”, pois, com a mudança do controlador, qualquer possuidor de título de dívida poderá requerer a antecipação do pagamento (sabe-se que os fundos abutres atuam preferencialmente em países que não possuem grau de investimento, como o Brasil).

Mais grave ainda é que, caso o direito de antecipação seja dado para algum detentor de título de dívida, esse direito é estendido a todas as dívidas, não se restringindo aos detentores de bonds.

No total a Eletrobras tem mais de R$ 45 bilhões em dívidas de financiamentos e empréstimos (Desse valor, cerca de R$ 10 bi correspondem aos bonds). A questão coloca em risco a continuidade de empresa, pois a Eletrobras não possui recursos suficientes para o pagamento antecipado das dívidas. Ou seja, caso o governo leve adiante esse modelo de privatização, a Eletrobras corre o risco de ser acionada na justiça por fundos abutres, colocando em risco a própria sobrevivência da empresa por asfixia.

Quem vai pagar a conta? A União, que pretende arrecadar R$ 12 bi com a privatização? Ou você, que verá sua conta de luz aumentar ainda mais para cobrir esse rombo?

BOLETIM CNE 30 01 2018