Energia elétrica no Brasil: do apagão à duplicação da capacidade instalada em 16 anos

A proposta de transferência do comando acionário da Eletrobras para a iniciativa privada atinge frontalmente os interesses estratégicos nacionais. Inquestionavelmente, esta iniciativa deve ser rejeitada de plano, pois representa um profundo retrocesso na política energética do país, concebida com a inestimável participação da sociedade brasileira e ativa contribuição da engenharia nacional.

É indispensável realçar que os Poderes Executivo e Legislativo do Brasil trabalharam, durante o mencionado período, independentemente de contextos partidários ou ideológicos, alinhados a uma diretriz que refletia a necessidade de formatação de um projeto de desenvolvimento e ocupação territorial que contemplasse a magnitude de uma nação continente, o que demandaria expressiva disponibilidade de energia elétrica.

A produção de energia no país foi severa e positivamente impactada nas décadas seguintes, a partir desta decisão do Estado. A ação articulada do grupo Eletrobras – posteriormente composto por Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletronuclear, CGTEE e Eletrosul – propiciou investimentos e a consolidação, de forma planejada, de uma matriz energética indutora de prosperidade, reconhecida internacionalmente.

Ressalte-se que tal incremento das capacidades de geração e transmissão de energia, sucessivamente implantadas no país, viabilizaram em períodos subsequentes, mais precisamente até o ano de 1990, a consecução de expressivos programas de diferentes governos, com as consequentes expansões da economia em níveis, muitas vezes, históricos.

Esta realidade restou interrompida na última década do século XX, quando após um exitoso programa de controle da inflação existente, governos que privilegiavam projetos de privatização de empresas públicas, dentre elas a Vale, deixaram de realizar os investimentos planejados e requeridos em diversos setores produtivos, comprometendo drasticamente as taxas de evolução da economia brasileira.

Reconheciam-se como fundamentais “as definições integradas de políticas e diretrizes relativas à exploração da energia elétrica, aproveitamento de seus potenciais, diversificação da matriz geradora nacional, estabelecimento de tarifas, promoção de outorgas de concessão, bem como os adequados planejamentos da geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica”, visando ao pleno e contínuo atendimento às novas demandas do Brasil.

As pesquisas informam, porém, que ao final do ano de 2002, no auge da conclusão daquele ciclo de propostas consideradas privatizantes, a capacidade total de geração e transmissão de energia elétrica implantadas no país era insuficiente para atender às exigências do abastecimento e crescimento da produção industrial e da população brasileira.

Recorde-se, por dever de ofício para com a História, que exatamente entre 1º de julho de 2001 e 19 de fevereiro de 2002, depois de um espaço de tempo em que as chuvas não refletiram os indicadores de precipitação almejados, uma crise de abastecimento ocorrida no país afetou o fornecimento de energia elétrica.

A Nação vivenciou, naquele período, em proporções até então inimagináveis, um “verdadeiro e aviltante apagão”, causador de um “racionamento de energia elétrica”, incompatível com o estágio de desenvolvimento em que se encontrava o Brasil.

A não aplicação de recursos na execução de projetos, linhas e plantas na década citada, finalmente apresentava à Nação uma profunda conta, pela qual pagaram não apenas os setores vinculados à área de energia, mas toda a sociedade.

O governo federal lançou, às pressas, um programa com o intuito de construir um conjunto de usinas de energia movidas a gás, procurando desesperadamente reduzir o tempo de racionamento imposto ao país, que açoitava a imagem e popularidade dos governantes, bem como prejudicava substancialmente os resultados econômicos. Até um “ministério do apagão” foi destacado para fazer frente àquela emergência, provocadas pela inação governamental.

Uma análise mais acurada daquele tempo remete a fatos ainda mais impressionantes. Consultando dados e referências disponíveis nos acervos dos principais meios de comunicação, encontra-se que o Brasil literalmente “quebrou economicamente” três vezes, entre 1998 e 2002, sendo obrigado a recorrer reiteradamente ao FMI (Fundo Monetário Internacional), em busca de empréstimos para fazer frente a suas obrigações como Nação independente.

Na procura de recursos para equilibrar suas finanças e atender às demandas elementares da nacionalidade, o país foi submetido a contratos que impunham rigorosas imposições externas que comprometeram suas taxas de progresso econômico e sacrificaram duramente a população brasileira.

A partir de 2003, após vigorosos ajustes iniciais que derrubaram uma inflação herdada em processo crescente, que já alcançava 12% ao ano, o Brasil iniciou um novo ciclo com significativos investimentos em infraestrutura que movimentaram o processo produtivo e, diferentemente de outros momentos da vida nacional, disseminaram os resultados no âmbito do tecido social. A memória coletiva e as anotações gravadas na História apontam as expressivas melhoras nos indicadores de inclusão e na qualidade de vida do povo brasileiro.

É indispensável recordar que, em anos seguintes, até o final de 2010, o Brasil vivenciou, entre outras, algumas taxas anuais de crescimento da ordem de 5,76%, 6,07%, 5,09% e 7,53%, que viabilizaram o almejado “pleno emprego”, aumento de salários, plena ocupação da capacidade industrial, carência de mão de obra especializada, diversificação da economia, surgimento de novos empreendedores e a ampliação do parque produtivo nacional.

Além dos elementos elencados acima, o planeta assistiu e admirou o Brasil trabalhar pacificamente, ainda que de forma embrionária, no tênue equacionamento das diferenças e relações internas, assim como ampliar sua relevância e visibilidade no cenário internacional.

Nada do que foi descrito acima teria sido alcançado sem a realização de vultosos investimentos em infraestrutura, conforme anteriormente citado, principalmente na estratégica área de energia. As parcerias estabelecidas entre o Estado brasileiro e a iniciativa privada permitiram grandes saltos na produção de energia elétrica em anos consecutivos, que respaldaram o expressivo crescimento econômico dos anos mencionados.

Acrescente-se que as iniciativas na área de energia implementadas a partir daquelas decisões tiveram seus efeitos estendidos até a presente data e asseguraram, inclusive, a disponibilidade de carga para a obtenção das taxas de desenvolvimento da economia ocorridas entre os anos 2011 a 2014, embora com números, inegavelmente, mais modestos.

Consigne-se que, segundo recente Boletim da Aneel, o Brasil detém, nesta data, empreendimentos de geração de energia em operação que produzem 163,5 GW e uma potência outorgada de 168,8 GW. Encontram-se ainda no país, em fase de construção, novos empreendimentos com potências equivalentes a 8,1 GW, bem como outros com capacidade de geração de 11.9 GW, cujas construções não foram iniciadas.

Portanto, explorando os fatos descritos pela História, bem como alguns números apresentados acima, conclui-se que o Brasil que produzia escassos 82,5GW de energia no ano de 2002, tendo naquela ocasião experimentado a plena humilhação dos denominados “apagão” e “racionamento”, encerrou o ano de 2018, apenas dezesseis anos depois, produzindo praticamente o dobro, exatos 163,5 GW, e com inúmeros outros empreendimentos em “modo execução”.

Registramos que a atuação do Estado brasileiro, por meio da Eletrobras, Aneel, Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletronuclear, CGTEE e Eletrosul, bem como de incontáveis empresas privadas com histórico no setor de energia, muitas vezes em parcerias com as instituições públicas mencionadas, foram determinantes para o alcance desta marca que orgulha a engenharia e a Nação.

A Fisenge enfatiza que não procedem os nefastos e vexatórios argumentos em favor da privatização ou transferência do controle acionário da Eletrobras para o capital privado. Esta proposição, ao contrário, conflita, contundentemente, com os princípios que asseguram e protegem, no presente e no futuro, a capacidade de intervenção do Estado no controle e desenvolvimento da estratégica área de energia. Esta iniciativa agride, inegavelmente, os conceitos de soberania nacional.

Via Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge)