Comerciantes esperam crescimento de 11% nas vendas com a chegada de mais R$ 4,15 bilhões na economia local. Mas os especialistas recomendam antes quitar as dívidas para quem vive dependurado no cheque especial ou no cartão de crédito

O reforço do 13º salário
Fim de ano, tradicionalmente, é a época das compras. De olho no pagamento do 13º salário — que injetará R$ 4,15 bilhões na economia local, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) —, os comerciantes apostam em aumento no volume de negócios. “Fizemos uma pesquisa entre os empresários do setor e a expectativa é de um crescimento de 11% nas vendas em relação ao mesmo período do ano passado”, afirma o presidente da Federação do Comércio do Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio), Adelmir Santana. No entanto, antes de se render aos encantos das vitrines e comprometer o dinheiro extra com novos gastos, os especialistas recomendam colocar a vida financeira em ordem e fazer um planejamento para entrar em 2011 com uma reserva, e não ficar no vermelho novamente.

“Se a pessoa tem dívidas, então deve usar o dinheiro extra para saldá-las. Caso o 13º salário seja insuficiente para liquidar todas as pendências, então o consumidor pode privilegiar aquelas maiores, que envolvem um grande volume financeiro. Entre todas elas, as do cartão de crédito e do cheque especial são prioridade devido às altas taxas de juros, que variam entre 12% e 15%, no cartão, e de 7% a 10%, no cheque especial”, alerta Emerson Castello Branco, consultor de finanças da CBS Consultoria Financeira.
Quando o 13º salário não dá para quitar sequer uma dívida, é possível usá-lo como entrada para o pagamento da pendência e renegociar o restante em prestações mensais. “Esse acordo é importante, porque aí o valor total para de crescer com juros exorbitantes. É imprescindível chegar a bons descontos, taxas de juros e prazos, de forma que as parcelas caibam no orçamento sem prejudicar o dia a dia. Afinal, é preciso que as prestações sejam honradas. Caso contrário, novamente será gerada uma pendência com juros elevados. O ideal é que não se comprometa mais que 30% da receita com dívidas de longo prazo”, orienta o consultor financeiro Conrado Navarro, autor do livro Vamos falar de dinheiro?.

A inadimplência da pessoa física no DF vem caindo e a tendência é que diminua ainda mais até o fim do ano. Em outubro, o índice de devedores ficou em 4,7%, segundo levantamento do banco de dados da Câmara de Dirigentes Lojistas do DF (CDL-DF), que administra o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). “O número de pessoas com nome nos cadastros de proteção ao crédito ainda deve cair 1% ou 2% até dezembro. Essa queda é comum neste período. Os consumidores aproveitam o dinheiro extra para quitar os débitos e ficar com o nome limpo para fazer novas compras”, avalia o vice-presidente da CDL-DF, Geraldo Araújo. Segundo ele, as dívidas com empresas de telecomunicação, operadoras de cartão de crédito e rede bancária estão entre as principais causas de restrição ao crédito.

Negociações
O padeiro José Fernando Pereira de Andrade, 30 anos, compareceu ao balcão de atendimento da CDL, no Setor Comercial Sul, onde o consumidor descobre se está ou não com o nome sujo na praça, para retirar o extrato da pendência e renegociar a dívida com a administradora do cartão de crédito. “Já tem tempo que venho lutando para quitar isso. Até já fiz uma renegociação com uma empresa de cobrança, mas não consegui cumprir. Agora, quero aproveitar o 13º salário para fazer um acordo diretamente com o banco e sair dessa”, espera otimista.

A ascensorista Maria da Penha Nunes, 49 anos, moradora de Valparaíso (GO), também pretende usar o salário extra para saldar um débito no cartão. “Vou usar uma parte para o pagamento e a outra vou poupar”, garante. Já a secretária Emília Lima, 39, deixou o SPC satisfeita. “Pensei que a dívida fosse maior. Agora, com o 13º salário, vai dar para pagar tudo e ainda viajar”, comemora a moradora de Samambaia, referindo-se a uma pendência no cheque especial.

A disposição de grande parte dos consumidores em quitar as dívidas também é incentivada por alguns segmentos como bancos e operadoras de cartão de crédito, que nesta época do ano costumam procurar os clientes inadimplentes para propor o pagamento dos valores pendentes com descontos e redução de juros. Mas é bom analisar a oferta com cautela. “Geralmente, o consumidor terá um ganho, mas nem sempre será tão vantajoso como imagina”, ressalta o consultor Conrado Navarro.

“O ideal é analisar a oportunidade de renegociação com a ajuda de um profissional com conhecimento em matemática financeira, pois há necessidade de se fazer contas. A taxa de juros é composta, incide sobre juros, e os cálculos não são simples para quem não tem intimidade com o assunto. E é justamente nessa área que os bancos costumam tirar vantagem”, alerta o consultor Castello Branco.

Ajuda do Procon
O Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-DF) pode auxiliar com consultas sobre a revisão de dívidas. Entre os registros realizados pelo órgão referentes à área financeira, cerca de 15% são sobre renegociação. A maior parte deledito. “Ao receber uma proposta de acordo, caso tenha alguma dúvida, o consumidor pode comparecer ao setor de contadores do Procon para que as condições financeiras oferecidas sejam analisadas”, explica o diretor-geral do órgão, Oswaldo Morais. Para tanto, lembrando que é preciso estar com a memória do cálculo em mãos (a proposta de acordo com a demonstração de cálculo, tarifa e encargos cobrados na renegociação). Oswaldo acrescenta ainda que os honorários advocatícios só podem ser exigidos quando a ação de cobrança estiver ajuizada.

Também não deve entrar no cálculo de renegociação a taxa de serviços a terceiros, destinada ao pagamento da empresa responsável em cobrar a dívida. “Entre as tarifas permitidas pelo Banco Central, não há previsão de taxa de cobrança. A empresa poderia cobrar o próprio cliente. Se optou por terceirizar o serviço, não é justo repassar isso ao consumidor. Portanto, tal prática é abusiva”, observa a economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim.

Quitadas as dívidas, se sobrar alguma quantia, os consultores financeiros recomendam a reserva dos valores necessários para as despesas extras de início de ano, como IPTU, IPVA e de gastos escolares. Se após isso tudo ainda sobrar algum dinheiro, pode ser mais vantajoso antecipar as parcelas de algum financiamento ou do empréstimo consignado do que deixar o dinheiro na caderneta de poupança. “Enquanto a poupança rende cerca 0,5% ao mês, o empréstimo consignado, por exemplo, — um dos mais acessíveis — tem juros médio de 2,5% ao mês”, analisa Ione. Na quitação antecipada de financiamento, o cliente tem direito ao abatimento proporcional dos juros e a cobrança de taxa por quitação antecipada é proibida.

PARA SABER MAIS
Dívida é a maior preocupação
Uma pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), que ouviu 567 pessoas de todas as classes sociais durante o mês passado, revelou que 57% dos consumidores pretendem utilizar o 13º salário para pagamento de dívidas já contraídas. O índice sofreu queda de 10,94% na comparação com 2009, quando a intenção do pagamento de dívidas era de 64%. “Isto demonstra que a melhora da economia, com o crescimento da renda e do emprego, e o crescimento do crédito, reduziram as dívidas pendentes desses consumidores”, explica o economista Miguel Ribeiro de Oliveira, conselheiro da Anefac que coordenou a pesquisa. Além da liquidação de débitos, 19% pretendem utilizar parte do 13º salário para compra de presentes; 12% pretendem poupar para os gastos do início do ano (como IPTU, IPVA, material e matrículas escolares) e 3% pretendem destinar o pagamento para compra e reforma de residência. Outros 6% já receberam o 13º ao longo do ano ou fizeram empréstimos de antecipação, e 3% pretendem poupar parte do que sobrará.

Dicas
» Pague as dívidas. Se não for possível quitá-las, privilegie as maiores ou que envolvam cobranças de juros elevados, como cartão de crédito e cheque especial.

» Quanto maior e mais antiga a dívida, maior facilidade para negociar bom descontos. Lembre-se disso na hora
de fazer o acordo.

» Caso o 13º salário seja insuficiente para quitar uma única dívida, use o salário extra como entrada no pagamento e renegocie o restante em parcelas mensais. É imprescindível chegar a bons descontos, taxas de juros e prazos, de forma que as parcelas caibam no orçamento sem prejudicar o dia a dia.

» As propostas de renegociação não devem incluir taxas de serviços a terceiros, destinadas ao trabalho prestado por empresas de cobrança. Quem contratou o serviço de cobrança é que deve pagar por isso. Repassar esse custo ao consumidor é abusivo. Os honorários advocatícios só podem ser incluídos na proposta de renegociação quando a ação já estiver ajuizada.

» Após quitar as dívidas, reserve uma quantia para os gastos do início de ano, como pagamento de IPTU e IPVA e compras de material escolar e uniformes dos filhos.

» Se sobrar algum dinheiro, antecipar as parcelas de algum financiamento ou de um empréstimo consignado pode ser mais vantajoso do que deixar o dinheiro na caderneta de poupança, se avaliado o rendimento em comparação com os juros cobrados sobre a dívida.

» Se não tiver dívidas, poupe. Destine parte do 13º para algum tipo de investimento que o prive do gasto imediato e impulsivo
do dinheiro.

» Faça um planejamento, com planos e projetos para o ano seguinte: troca de carro, compra da casa própria, cursos.

O povo fala
Antônio Alves Moura, 32 anos, técnico em refrigeração, Riacho Fundo I
“Vou deixar a dívida para lá e gastar com compras de Natal e viagem.”

Marco Antônio Alves Cordeiro, 34 anos, técnico em refrigeração, Gama
“Graças a Deus não tenho dívidas. Então, vou poupar para começar 2011 tranquilo.”

Nizélia Araújo, 37 anos, digitadora, Núcleo Bandeirante
“O 13º salário vai completar a quantia que já tenho reservada para comprar um carro.”

Vívian de Farias, 29 anos, secretária, Gama
“Pretendo quitar contas atrasadas no cartão de crédito para entrar em 2011 sem dívidas.”

Cicília Anorata, 26 anos, administradora, Guará II
“Primeiro vou quitar algumas dívidas no cartão de crédito. Elas são prioridade porque os juros são altos. Depois, vou comprar um móvel para minha casa.”

(Naiobe Quelem, Correio Braziliense)