Preços de terrenos subiram até 500%. Moradores de condomínios e representantes do Governo do Distrito Federal temem que valores altos se tornem um empecilho à regularização, criando condições proibitivas

A valorização rápida dos imóveis de Brasília ameaça um dos principais programas habitacionais do governo: a venda direta dos lotes em condomínios irregulares. A legislação determina que a regularização seja feita com base nos valores de mercado. Mas a venda de terrenos do GDF aos moradores desses loteamentos está parada desde 2007 e, de lá para cá, os preços de imóveis no Setor Jardim Botânico, por exemplo, aumentaram quase seis vezes. O temor dos moradores de condomínios e até mesmo de representantes do governo é que os valores fiquem ainda mais proibitivos, inviabilizando a regularização fundiária de lotes de propriedade da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap).

São várias as causas da paralisação da venda direta. Em alguns condomínios, há empecilhos ambientais, urbanísticos, problemas fundiários e dificuldades para obter documentos. Mas a maior barreira é a resistência da própria comunidade, que muitas vezes recorre à Justiça para tentar escapar da obrigação de pagar de novo pelo imóvel.

A primeira venda direta de lotes em condomínios ocorreu em agosto de 2007, depois que o Supremo Tribunal Federal livrou os ocupantes de terrenos da temida licitação. Com a decisão, os lotes com casas construídas até 1º de janeiro de 2006 poderiam ser vendidos diretamente aos moradores. A condição estabelecida pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) nº 2/07, firmado entre o governo e o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), foi a comercialização pelo preço de mercado, com abatimento dos gastos feitos pela própria comunidade para implantar a infraestrutura.

Há três anos, a Terracap conseguiu registrar em cartório os 420 lotes dos condomínios Portal do Lago Sul, Estância Jardim Botânico, San Diego e Mansões Califórnia — que formam a Etapa 1 do Setor Jardim Botânico. Em seguida, lançou a convocação para a venda direta. A população tentou reduzir o preço médio dos terrenos de 800 metros quadrados: R$ 80 mil. O GDF reviu os cálculos e, descontando as benfeitorias, o valor ficou em torno de R$ 75 mil.

Pouco depois, o governo começou a acelerar os trâmites para regularizar os lotes dos cinco condomínios da Etapa 2 do Setor Jardim Botânico: Mirante das Paineiras, Parque e Jardim das Paineiras, Estância Jardim Botânico II, Jardim Botânico I e Jardim Botânico VI. Os técnicos avaliaram os terrenos em cerca de R$ 80 mil cada um.

Disputa judicial
Mas, quando a Terracap tentou registrar em cartório a Etapa 2 do Setor Jardim Botânico, os moradores recorreram à Justiça para impugnar a liberação da escritura. Alegaram que havia uma disputa sobre a propriedade da área, já que parte dos moradores acreditava viver sobre terras particulares. O caso foi parar na Vara de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano. Se for decidido que a área é particular, os habitantes não precisarão pagar novamente pelas moradias.

A ação está parada no Tribunal de Justiça. No caso da Etapa 1 do Setor Jardim Botânico, foi necessário esperar oito anos entre a impugnação e a liberação para o registro. Enquanto isso, os preços não param de subir. Isso aflige moradores, como o contador aposentado Sebastião do Valle, 67 anos, que há 15 vive no Condomínio Parque Jardim das Paineiras. “A gente até aceitaria pagar o preço estabelecido na última avaliação, mas jamais vai aceitar a regularização pelos valores de mercado atuais.”

O advogado que representa os moradores de condomínio na ação de impugnação, Mário Gilberto de Oliveira, defende que representantes da comunidade e da Terracap voltem a negociar. “Mas é preciso falar em preços justos. O mais importante é buscar uma solução amigável porque, senão, os moradores correm o risco de esperar mais 20 anos até receberem a escritura de seus terrenos.”

O que mais preocupa a população do Setor Jardim Botânico é a licitação de terrenos do Jardim Botânico III, que ficam em uma extensa área vizinha de propriedade da Terracap. Os primeiros imóveis vendidos, em 2008, tiveram o preço mínimo de R$ 150 mil. No último edital, de julho deste ano, o valor médio do lote de 800 metros quadrados já alcançava R$ 413 mil. Esses preços poderão ser usados como parâmetro no momento da avaliação para a venda direta.

O professor Carlos Viana, 44 anos, mora no Condomínio Jardim Botânico VI, e diz que para quase todos os moradores será impossível aderir à venda direta se os preços forem semelhantes aos cobrados na Etapa 3. “Sou professor da rede pública e não teria condições de pagar mais de R$ 400 mil. Se tivermos que pagar de novo, que seja um valor justo e que considere o que já investimos na região.”

Terracap é dona de 4 mil terrenos
Outras áreas de propriedade da Terracap sofrem com o mesmo problema. É o caso do condomínio Villages Alvorada, que fica ao lado da QL 28 do Lago Sul, às margens do Lago Paranoá. O síndico do parcelamento, Lauro Ferreira Júnior, diz que a subida rápida dos valores de mercado é um receio de todos. “O preço dos imóveis em Brasília não para de subir, é preciso discutir as questões fundiárias com rapidez, para que ninguém fique prejudicado depois”, explica.

Ao todo, a Terracap é dona de pelo menos 4 mil terrenos ocupados por pessoas de classe média e que terão que ser regularizados por meio da venda direta. O gerente comercial da empresa, Marcelo Fagundes, explica que o governo sempre buscou o entendimento e afirma que a Terracap alertou sobre o risco da alta dos preços. “O Ministério Público e o Tribunal de Contas exigem que a venda direta seja feita com base nos preços de mercado. Há uma imensa boa vontade do governo para chegarmos a um acordo, mas só podemos agir dentro da lei”, afirma Fagundes.

Legislação
O promotor Libânio Rodrigues, que em 2007 comandou as negociações com o governo para a assinatura do TAC, diz que a legislação não permite a venda de áreas públicas por preços abaixo dos valores de mercado. “A gente fez esse alerta sobre a valorização dos terrenos desde o início. O mercado se regula pela legalidade, algumas pessoas recorreram à Justiça para barrar a venda direta e agora a alta dos preços pode dificultar a regularização”, reconhece o promotor.

Para o presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis, Hermes Rodrigues de Alcântara Filho, a valorização imobiliária no Setor Jardim Botânico e em várias outras áreas da cidade deve continuar a acontecer. “Temos uma demanda grande por moradia e novos condomínios de luxo estão surgindo, o que também ajuda a impulsionar os preços. A tendência é que a alta continue”, garante. (HM)

(Fonte: Helena Mader, Correio Braziliense)