“O crescimento, e não a crise, é a hora certa para a austeridade.”  John M Keynes

O mundo dá suas voltas e a humanidade vive de ciclos, entre momentos de abundância e de escassez. Sob os ciclos naturais, uma sociedade oscila entre períodos de desenvolvimento e de recessão e, dependendo do seu grau de consciência e organização, vive clássicos momentos de concentração e de distribuição de renda.

Era de se esperar que a sociedade brasileira, depois de experimentar, há mais de uma década, uma abrangente e consistente política de distribuição de renda, sofresse uma forte reação contrária. Os antigos detentores do poder, que não recuperaram o mais alto posto da nação por meio do voto, estão ocupando espaço, aproveitando-se da desmoralização do Governo Federal, tornando-o refém político da atual crise econômica.

Paul Krugman (Nobel de Economia de 2008) afirmou recentemente que, em tempos de crise, a política de austeridade não está à procura de um equilíbrio fiscal que crie bases substantivas para o crescimento do país – ela é usada como ideologia para reverter a distribuição de renda, retirar benefícios sociais, cortar investimentos públicos e aumentar juros. Porém, com restrição da demanda, tem-se um agravamento da crise e o prolongamento da recessão.

Desta vez, volta com grande força o discurso do “Estado Mínimo”, em defesa de medidas privatistas e retiradas de direitos, algumas delas já em curso:

•          Emenda constitucional impondo que qualquer interferência do Estado na economia deva ser justificada e seus resultados posteriormente avaliados;

•          Desvinculação do piso do benefício da previdência ao salário mínimo;

•          Revisão da cobertura na estabilidade do emprego no setor público;

•          Flexibilização da legislação trabalhista;

•          Ameaças às conquistas dos trabalhadores com o princípio de que o negociado se sobreponha à lei;

•          Aprovação de idade mínima de 65 anos para aposentadoria de homens e mulheres,

•          Volta do fator previdenciário;

•          Reforma do PIS/Cofins e do ICMS, entre outras.

•          Rebaixamentos salariais através da rotatividade da mão de obra (com ou sem plano de incentivo à demissão) e reajustes anuais abaixo da inflação acumulada.

Neste cenário, as empresas estatais sofrem investidas violentas de fortes grupos econômicos, seja para sugar grande parte de seus lucros, seja para capturá-las parcial ou completamente, com parcerias ou privatizações.

As crises que atingem os grupos Petrobras e Eletrobras já vinham debilitando essas empresas e dando espaço para as ideias privatistas ganharem corpo. Exemplo disso é a celeridade com que tem se dado às discussões acerca da venda de 25% das ações da BR Distribuidora ou da privatização da CELG, além da enorme dificuldade dessas empresas em continuar investindo em seus respectivos mercados.

Embora nada seja tão ruim que não possa piorar, esse embate parece ter chegado ao seu auge: sob o simpático nome de “Lei de Responsabilidade das Estatais”, o Projeto de Lei do Senado PLS-555, de autoria do senador José Serra, PSDB-SP, é um passo gigantesco no rumo da privatização completa do que restou das empresas estatais brasileiras. Ele traz alguns pontos que atingem diretamente as empresas do setor elétrico, dificultando muito sua atuação, além de conter medidas absurdamente antidemocráticas de discriminação contra os/as trabalhadores/as.

Em seu artigo 2°, no parágrafo 2°, o PLS 555 diz que “Depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiária das entidades mencionadas no caput, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada, nos termos do art. 37, inciso XX, da Constituição Federal”. Se for assim, para se criar uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) será necessária autorização do legislativo. Na prática, isso significa inviabilizar a participação da Eletronorte e das demais empresas do grupo Eletrobras em novos empreendimentos.

Além disso, o projeto determina que todas as empresas estatais abram seus capitais e coloquem em circulação, pelo menos, 25% de suas ações, exclusivamente sob a forma de ações ordinárias, no prazo de dois anos após a promulgação da lei (Art. 90, Parágrafo 2°), independentemente de as condições do mercado forem boas ou não. As empresas que possuem ações preferenciais no mercado, como é o caso da Eletrobras, Petrobras e Banco do Brasil, teriam que recomprar essas ações no mercado. A Caixa Econômica Federal deixará de ser uma empresa inteiramente pública, com forte foco nos investimentos sociais, para centrar esforços em gerar lucro para distribuir dividendos aos acionistas.

Outro ponto absurdo do projeto é o que determina que os membros dos Conselhos de Administração das Estatais não poderão possuir sequer filiação sindical em período inferior a 1 ano antes da data da nomeação (Art.16, § 2°, c). Quem quiser ser representante dos trabalhadores no Conselho de Administração não poderá ser sindicalizado e, pior, deverá comprovar já ter ocupado cargos na gestão superior da empresa (Art.16, § 5°, c). Desta forma só ex-diretores ou ex-conselheiros poderão ser eleitos representantes dos/as trabalhadores/ as – uma verdadeira inversão de valores.

Tão prejudicial quanto o conteúdo do PLS 555, é a forma como este tem sido encaminhado pelos legisladores. Fruto de acordo entre presidentes da Câmara e do Senado, não passou pelas comissões das casas, tramita em regime de urgência e está prestes a ser aprovado em tempo recorde, impedindo maiores debates e a participação dos trabalhadores/as, contando apenas com o lobby do setor financeiro.

Além disso, há muitas emendas que podem tornar o projeto ainda pior.

Outro exemplo deste desvirtuamento da legislatura é o PL 4.330, atualmente PLC 30, que escancara a terceirização em todos os níveis e praticamente decreta o fim da CLT.

Apesar dessa ofensiva por parte do legislativo, alguns parlamentares ainda se encontram ao lado dos trabalhadores/as e têm tentado fazer com que estes ataques frontais aos direitos trabalhistas e às empresas estatais passem por um democrático processo de discussão. É o caso do senador Paulo Paim e da deputada federal Érika Kokay, entre outros.

Diante desse gravíssimo quadro, o momento é de mobilização da classe trabalhadora, não apenas contra o PLS 555, mas contra todas as ofensivas lançadas por aqueles/as que deveriam legislar em prol do país e não de seus interesses pessoais.

É hora de nos levantarmos em defesa das nossas empresas estatais e lutarmos diuturnamente contra a sanha privatista e entreguista do patrimônio nacional!


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