No país há apenas dois hospitais especializados no atendimento paliativo de pacientes com doenças crônicas sem possibilidade de cura, o Hospital de Apoio de Brasília (HAB) e o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE). Juntos, eles têm capacidade para apenas 29 leitos. Nessas instituições os pacientes recebem tratamento permanente de profissionais que permitem a essas pessoas viver seus últimos dias sem dor, sem procedimentos invasivos e com dignidade. Diferente da realidade da maioria das unidades de saúde do país.

O Conselho Federal de Medicina, por meio do novo Código de Ética Médica, que entrou em vigor em abril deste ano, quer ampliar o uso do tratamento paliativo. Para o vice-presidente do Conselho, Carlos Vital, o instrumento chama a atenção dos profissionais para a possibilidade de, se for essa a vontade do paciente, abrir mão de procedimentos extraordinários, desproporcionais e incompatíveis com a dignidade humana. Chefe da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Apoio de Brasília, Anelise Pulschen defende que a vontade dos pacientes deve ser atendida. “As pessoas podem ter autonomia de optar por não querer sofrer intervenções cirúrgicas que não vão curar sua doença, ou passar por exames dolorosos e invasivos que apenas dariam sobrevida, sem conforto”, conta. Para discutir esse tema e incentivar o uso do documento conhecido como testamento vital no Brasil, o CFM organizou o I Fórum sobre Diretivas Antecipadas de Vontade. O evento, que teve início na tarde de ontem, reúne profissionais da área médica e jurídica em São Paulo.

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Diaulas Ribeiro é a favor da viabilidade legal do documento com as diretivas antecipadas de vontade, o testamento vital. “Não há nenhuma barreira jurídica para a execução do recurso, mas existe dificuldade cultural no uso desse instrumento tanto pela população quanto pela equipe médica”, esclarece. De acordo com o especialista, para a elaboração do documento é necessário apenas formalizar os desejos de limitação de tratamento por escrito e assinar. “O ideal é converter com antecedência essa declaração em escritura pública com firma reconhecida em cartório e colher a assinatura de duas testemunhas, mas, se não for possível, o simples registro dessas informações no prontuário médico já funciona como documento legal”, explica.

Pulschen defende que o tratamento paliativo, com procedimentos médicos, suporte familiar e espiritual, tranquilidade, carinho e a presença de um médico para transmitir segurança, oferece melhor condição de qualidade de vida para os pacientes com diagnóstico terminal. “Insistir na cura da doença dessas pessoas prolonga o sofrimento delas. Em muitos casos os pacientes morrem com dores derivadas de inúmeras intervenções, sozinhos numa unidade de terapia intensiva”, lamenta. Vital esclarece que esse tipo de tratamento nada tem a ver com eutanásia ou suicídio assistido. “Com o testamento vital, o paciente vai poder optar por não ser submetido a métodos desproporcionais que prolongam a vida, transformando o direito à vida em um dever de sobrevivência”, conta.

“Mas também não é uma desistência. As pessoas simplesmente aceitam a morte como um fim inevitável e geralmente aproveitam esse momento para resgatar valores que se perderam ou resolver questões pessoais que estavam pendentes. É uma possibilidade de despedida”, diz Pulschen. A especialista já acompanhou diversas histórias de pacientes e acredita que o luto da perda sofrido pela família, quando protegido pela estrutura de acolhimento do hospital, se torna um rito de passagem mais humano e menos doloroso.

A servidora pública Sandra Rodrigues, 42 anos, acompanha sua mãe de leite e tia de sangue no Hospital de Apoio de Brasília. Depois do diagnóstico de câncer no pâncreas já em estado avançado e sem possibilidade de cura, a tia-mãe de Sandra ficou uma semana internada em hospital comum. “Ela chegou a passar dois dias recusando comida, estava triste e disse que preferia morrer logo a ficar sofrendo no leito coletivo do hospital, onde era submetida a exames periódicos e medicamentos que não queria tomar”, conta. “Depois que viemos para cá ela se alimenta, não sente dor e espera em paz a hora dela chegar”, diz. O HAB atende cerca de 30 pacientes por mês com quadro de irreversibilidade atestado. Além dos idosos, a instituição cuida de crianças com câncer em fase terminal.

“O princípio do nosso trabalho é a aceitação da morte e a valorização da vida”, conta Pulschen. Para a especialista os médicos são formados com base na ideia de salvar vidas, então encaram a morte como uma derrota. “É fundamental trabalhar melhor esse conceito, para que a morte deixe de ser um tabu na comunidade médica”, diz. Outro problema enfrentado pelos doentes crônicos terminais é a reação da família. “Muitas vezes o paciente não está em condições de fazer as próprias escolhas, seja por impossibilidade de fala ou fraqueza extrema. Nessa hora o testamento vital garante a autonomia desse paciente e indica as diretrizes para a forma de como a equipe médica pode agir, respeitando suas vontades”, diz Vital.

Proposta para encerrar greve
A Associação Nacional dos Médicos-Residentes (ANMR) apresentou ontem ao Ministério da Educação uma proposta de reajuste da bolsa auxílio de forma parcelada. Para encerrar a greve, que dura nove dias, os profissionais estão dispostos a aceitar o aumento imediato de 28,7% e 10% em setembro do ano que vem, o que totaliza a porcentagem de 38,7% exigida pela categoria. Na semana passada, a categoria rejeitou o reajuste de 20% oferecido pelo governo. Segundo o presidente da ANMR, Nívio Moreira Júnior, a nova proposta é um sinal de que a categoria está aberta à negociação e quer terminar a greve. O Ministério da Educação informou que não tem um prazo para tomar a decisão, já que precisa consultar os representantes do Ministério da Saúde.

(Fonte: Carolina Khodr, Correio Braziliense)