Plataforma Operária e Camponesa para Energia*


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Neste momento, onde se discute no país a opção pela renovação ou licitação das concessões é necessário evitar qualquer risco de privatização e estabelecer condições para que, a parcela de energia em disputa, beneficie os trabalhadores e o povo brasileiro, em especial os consumidores residenciais.

 


No caso da energia elétrica, a concessão é uma autorização dada pelo governo para realização de um serviço público. Seria uma obrigação dos governos prestar este serviço com caráter público, no entanto ao abrir mão desse direito e repassar para iniciativa privada, ou empresas com esta concepção, via licitação e concessão, na realidade esta privatizando o direito de exploração deste serviço, que como toda empresa privada, passa a dedicar-se exclusivamente na busca pelas mais altas taxas de lucro, nada mais. Portanto, para romper com esta lógica é  necessário realizar mudanças profundas no atual modelo energético.


Como condição na renovação propomos que o Governo Federal adote as seguintes medidas em conjunto com a renovação das concessões:



1. Não privatizar as usinas, linhas de transmissão e as distribuidoras e não permitir a transferência de valor gerado por estatais para setores privados.


Que se renovem as concessões do setor elétrico nacional que estão para vencer nos próximos anos (até 2017), criando condições para que esta renovação não resulte em mais privatizações no setor elétrico, venha aumentar a precarização, e a terceirização do trabalho, retirar ou reduzir direitos dos trabalhadores e postos de trabalho e que os benefícios da possível redução de tarifas contemplem as famílias brasileiras, baixando o preço da luz.


Pela atual legislação este patrimônio poderá ser licitado, o que significará a possibilidade de privatização, portanto é necessário encontrar mecanismos que garanta a permanência dessa riqueza nas mãos do estado e a serviço do povo. Reafirmamos que as concessões precisam ser renovadas com garantia de proibição de venda das empresas estatais de energia elétrica, de suas usinas, linhas de transmissão ou sistemas de distribuição, seja total ou parcial. Que se estabeleçam condições visando impedir a apropriação privada dessas empresas para que se evite a continuidade da transferência, do patrimônio público a setores privados.



2. Garantia de implementação de uma política de valorização dos trabalhadores do setor elétrico nacional, respeitando os direitos dos atingidos pelas obras e eliminando a terceirização na perspectiva de se evitar a precarização das condições de trabalho e de vida de todos os envolvidos.


É inegável a contribuição socioeconômica do setor estatal elétrico brasileiro para o desenvolvimento do país e para a geração de sua riqueza. E, também por isso, é preciso reconhecer que há necessidade de maior valorização do quadro de pessoal numa área estratégica e fundamental para a soberania do Brasil. Afirmamos que não haverá fortalecimento dessas empresas estatais, sem a devida valorização de seu maior patrimônio: os trabalhadores.


As terceirizações, de uma forma geral tem como objetivo diminuir custos com mão de obra para gerar maiores taxas de lucro aos donos das empresas e/ou acionistas sem se preocupar com as conseqüências disto para os trabalhadores. As privatizações e a concepção rentista, lucro a qualquer custo, têm sido as principais causas do aumento da terceirização no país e da precarização do trabalho. A terceirização tem prejudicado os trabalhadores do setor de energia, os operários das usinas, a população atingida, e a sociedade como um todo, uma vez que muitos têm sido mutilados; alguns inclusive perdendo a sua capacidade laboral, muitos têm morrido em função da ganância de alguns poucos que vem comprometendo a possibilidade de uma vida digna para a maioria do povo brasileiro. Por isso, a renovação precisa ser condicionada com o fim da terceirização em todo processo produtivo nas empresas de energia elétrica daqui para frente e com a reversão do que já existe. Nesse processo de transição e, até que isto seja completamente estancado, é preciso que se garanta aos trabalhadores terceirizados os mesmos direitos, benefícios e nível de ganhos dos trabalhadores efetivos, com responsabilização solidária das empresas contratantes. Neste sentido, é imprescindível rever a legislação e alterar a lei de concessões que estimula a terceirização.


Em relação às populações atingidas, é necessário garantir uma correta regulamentação do decreto que instituiu o cadastro socioeconômico, constituir uma política nacional de reparação dos direitos, garantir um levantamento adequado e o pagamento da dívida social histórica que o Estado Brasileiro possui com os atingidos por barragens e garantir recursos financeiros suficientes. Compromissos estes assumidos no governo do presidente Lula e reafirmados no governo da presidenta Dilma Rousseff.



3. Garantia de que esta energia seja colocada para residências e com preço real do sistema elétrico brasileiro.


Garantir que toda energia elétrica proveniente das concessões que vencem até 2017, seja destinada em sua totalidade aos consumidores cativos, com destinação prioritária para atendimento dos consumidores residenciais brasileiros, com redução nas tarifas. O consumo residencial total nos últimos 12 meses foi de 110 TWh e as concessões envolvem 140 TWh, ou seja, a quantidade é suficiente para atender todas as residências. Energia esta onde cerca de 93% é produzida por empresas estatais que, se geridas com o objetivo principal de atender ao interesse público, podem contribuir efetivamente para o barateamento da conta de luz. O consumidor residencial, ao contrário de grandes grupos econômicos, tem sido penalizado com a sexta mais alta tarifa de energia elétrica no mundo, fruto da lógica de um sistema tarifário neoliberal, implementado nos anos 90, que privilegia os setores financistas e consumidores livres e penaliza o povo brasileiro.



4. É necessário superar a herança autoritária, tecnocrática e neoliberal, e resgatar nas empresas estatais o caráter de empresa pública.


As estatais tiveram um longo período de influência direta do sistema financeiro, uma lógica e concepção privada rentista, chegando em determinadas situações a ser capturadas e reféns do sistema financeiro, e obriga as estatais colocar preocupação central na geração de valor aos acionistas com taxas e lucros extraordinárias e com mesma velocidade busca diminuir custos com terceirização e diminuição nos ganhos dos trabalhadores e atingidos, deixando a qualidade e o caráter público em segundo plano.


Herança esta de um Estado autoritário e de uma concepção tecnocrata que tem dificuldade ainda de se abrir para a partilha do conhecimento, com gestão social e que este esteja focado na solução dos problemas e atendimento das necessidades reais da sociedade.


A renovação deve ser usada como a oportunidade para debater e para estabelecer condições e parâmetros de funcionamento para o fortalecimento do papel público das empresas estatais, recuperando seu poder de investimento, garantindo qualidade e prioridade de distribuindo dos benefícios para todo o povo brasileiro, abrindo as empresas estatais para maior participação e controle social.  



5. Garantir condições para ampla participação popular e controle social sobre as empresas e sobre a política energética.


A democracia não pode ser entendida como uma concessão de regimes autoritários que, em determinados momentos da história, “abre” possibilidades de participação do povo. A democracia é decorrente de uma luta histórica, é uma conquista que precisa ser valorizada e exercida na prática. O tecnicismo burocrático e as novas formas de opressão, especialmente subjetivas, precisam dar lugar à valorização efetiva da condição humana. É preciso ter mais confiança nos trabalhadores e acreditar mais na sua capacidade criativa. O conhecimento é fruto da imaginação humana e experiências têm mostrado que a partilha do poder é uma excelente ferramenta para o crescimento sustentável das empresas, além de contribuir para a melhoria do ambiente de trabalho.


É fundamental a criação e adoção de estruturas de poder que permitam a participação e o controle social massivo – especialmente dos trabalhadores da energia e dos atingidos sobre as empresas de energia e sobre a política energética em sua totalidade. Inclusive é condição para que a política energética brasileira possa ser mais amplamente debatida com o povo brasileiro.



6. Adotar medidas para evitar privilégios aos chamados consumidores livres, em especial aos eletrointensivos exportadores.


Os grandes consumidores de energia têm sido historicamente beneficiados e privilegiados com as políticas energéticas e tarifárias, com acesso a energia a preços bem abaixo dos praticados ao povo brasileiro e apropriação de elevadas taxas de lucros.


O atual sistema tarifário fortalece a lógica da desindustrialização brasileira, porque oferece energia a tarifas de custo real do nosso sistema aos setores exportadores de alta densidade energética e estes mesmo produtos primários voltam ao nosso país na forma de produtos com alta densidade tecnológica permitindo gerar valor e empregos fora de nosso país, enquanto que os setores voltados e/ou que estimulam o mercado interno, como a pequena e media indústria e as residências estão sendo penalizadas com altas tarifas e baixa qualidade dos serviços.


Portanto somos contrários a qualquer medida que possa vir a beneficiar de forma direta ou indireta os consumidores livres. Que se adote o fim da política tarifária que concede privilégios e subsídios aos grandes consumidores de energia elétrica, os chamados consumidores livres.



7. Defendemos que o BNDES retome e abra o financiamento público para as empresas públicas de forma irrestrita e que estabeleça critérios rígidos quanto aos impactos sociais, ambientais e trabalhistas nos projetos que são financiados por este banco. E que se adote maior transparência e acesso irrestrito ao conjunto das informações das instituições públicas de financiamento.


A lógica de mercado que alguns defendem é perversa com as estatais, com as entidades públicas, que não podem “concorrer” em condições de igualdade com as empresas privadas em função de regras distintas e até discriminatórias. Na Parceria Público Privada, as estatais assumem os riscos e os ônus, enquanto que as privadas possuem regras que lhes dão privilégios. É necessário romper com esta lógica.



8. Revisar o papel, a estrutura e o funcionamento das agencias reguladores e demais órgãos do setor elétrico.


Com um falso discurso de instituições “técnicas” e “neutras”, várias estruturas de Estado, tem sido capturadas, cumprindo tarefas para garantir e proteger os interesses privados e do sistema financeiro. A ANEEL, por exemplo, além de fazer parte de uma estratégia para tirar o poder dos governos e da sociedade de fiscalizar e regulamentar os serviços públicos, tem se demonstrado inacessível à classe trabalhadora, mesmo em situações de irregularidades comprovadas tem tomado atitudes que beneficiam os empresários e prejudicam a população e os trabalhadores da energia.


Que se construa um novo modelo público de regulamentação, vinculado a política energética nacional, transparente e aberto ao controle social e com mecanismos eficientes de participação popular. De imediato deve ser garantido mudanças profundas na Agencia Nacional de Energia Elétrica.



9. Garantir que as distribuidoras que terão as concessões renovadas não adotem a “nova estrutura tarifaria” em curso, que está sendo imposta pela ANEEL às residências.


A ANEEL aprovou a “Nova Estrutura Tarifária”. Terá três patamares de preços de tarifas por dia de acordo com a intensidade de consumo em cada horário do dia. Horários de maior consumo de energia as tarifas serão mais caras. Esta nova estrutura tarifaria esta sendo chamada de “Modalidade Tarifaria Branca”.


A nova estrutura tarifária tende a representar uma armadilha contra os trabalhadores, contra os consumidores residenciais. Seu objetivo é a) aumentar as receitas das empresas, b) criar um mercado para a indústria elétrica produtora de equipamentos de aproximadamente R$ 20 bilhões a cada 10 anos em que a população será obrigada a arcar com os negócios da General Eletric, Siemens, Alstom e outras corporações, c) reduzir custos com trabalhadores e d) postergar investimentos no sistema, já que neste momento de crise aumentaram as remessas de lucros aos acionistas.


As consequências sobre a população serão: a) vai aumentar enormemente as tarifas para os consumidores residenciais; b) as redes ficarão sem investimentos em melhorias; c) vai penalizar os trabalhadores do setor com mais precarização e terceirização; d) vai promover a obsolescência programada de milhões de medidores, e vai impor o “pré-pago” para antecipar os lucros futuros e diminuir o tempo de circulação de capital.


Portanto é preciso barrar esta armadilha contra a população que a ANEEL vai querer implementar nos próximos anos. De imediato isso deve ser barrado em todas as distribuidoras que tiverem as concessões renovadas.



10. Garantir um processo que altere o atual sistema tarifário.


O modelo privado do setor implementado nos anos 90, promoveu a mercantilização da energia, que transformou a eletricidade no principal negócio dos setores privados, impuseram um sistema tarifário que elevou nossas tarifas a patamares internacionais, vinculadas aos custos das tecnologias de produção mais caras mundialmente – descolada da realidade dos custos de produção real de nosso sistema – permitindo lucros e remessas extraordinárias de valor aos acionistas. Criou dois ambientes de contratação, no qual os “livres” tem sido privilegiados, inclusive fortalecendo a lógica da desindustrialização brasileira, enquanto os “cativos”, especialmente as residências e os trabalhadores da energia são quem garantem a sustentação deste modelo, sendo obrigados a pagar uma das tarifas mais caras do mundo, com baixa qualidade do serviço e precarização e terceirização do trabalho.


É necessário garantir medidas que conduzam para mudanças profundas no atual sistema tarifário.



11. Retomar as terras e colocá-las para reassentamento das famílias atingidas que se encontram cadastradas no INCRA.


Retomar todas as áreas de terras que ficam fora da área de preservação ambiental em todas as usinas que terão suas concessões renovadas e repassar à União e disponibilizá-las para o reassentamento das populações atingidas por barragens, prioritariamente para aquelas que fazem parte da “divida social histórica” do estado brasileiro.


Água e energia, não são mercadorias!


 

* A Plataforma Operária e Camponesa para Energia é uma iniciativa que vem se consolidando desde 2010, originou-se para impulsionar a construção de aliança entre organizações de trabalhadores do campo e da cidade no tema da energia. Atualmente fazem parte a Federação Única dos Petroleiros-FUP, Federação Nacional dos Urbanitários-FNU, Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB, Sindieletro/MG, Sinergia SC, Federação Interestadual de Sindicados de Engenheiros-FISENGE, SENGE PR, STIU DF, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra-MST, Movimento dos Pequenos Agricultores-MPA, Via Campesina. A plataforma possui um documento que contém um conjunto de propostas para que a energia esteja de fato a serviço do povo brasileiro.