Nos 12 meses encerrados em maio, o mercado formal de trabalho criou 5 mil novos empregos por dia, um ritmo bem mais intenso que aquele dos 12 meses anteriores, quando eram precisos três dias para criar as mesmas 5 mil vagas com carteira de trabalho assinada.

Esse “apetite” das empresas por funcionários permitiu a volta ao mercado de trabalho dos profissionais com menor – ou até nenhuma – escolaridade. Inclusive analfabetos têm sido contratados.

Levantamento feito pelo Valor no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho revela que nos 12 meses que vão de junho de 2008 a maio de 2009 – período do pré e pós-crise – o Brasil fechou o balanço de admissões e demissões no azul, com a geração de 580,2 mil vagas.

O resultado líquido, contudo, é formado pelo saldo positivo de 881,3 mil novos postos para profissionais que frequentaram a escola por mais tempo, e pelo fechamento de 300 mil vagas para trabalhadores analfabetos ou com até a 8ª série completa.

Dados mais recentes indicam dinâmica diferente, com a expansão também das contratações de pessoal com baixa escolaridade. De junho de 2009 a maio de 2010, quase 330 mil posições foram preenchidas por brasileiros com no máximo o ensino fundamental completo, superando as demissões dos 12 meses anteriores.

Trabalhadores com esse perfil responderam por uma participação de 15% no saldo líquido de mais de 2 milhões de postos de trabalho abertos no período.

O movimento de contratação de pessoas que frequentaram a escola por menos tempo ocorre em todos os cinco grandes setores utilizados pelo Caged: agropecuária, comércio, construção civil, indústria e serviços.

Somente o setor de obras responde por mais de 50% dessa tendência. Entre junho de 2009 e maio deste ano, foram abertos 172 mil postos para trabalhadores que chegaram até a 8ª série, contra um saldo de 8,8 mil na comparação com os 12 meses anteriores.

Apesar de todo esse aquecimento, Luiz Antônio Caruso, gerente-executivo do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), conta que a atividade sofre para atrair mão de obra jovem e mais bem qualificada.

“A construção civil tem o maior percentual de trabalhadores com 45 anos ou mais do mercado. Podemos deduzir que essa indústria recruta profissionais com menor escolaridade, porque não tem capacidade de atração como outras atividades. Isso também repercute no Senai; existem muitas regionais que não conseguem fechar turmas para os cursos técnicos do setor”, argumenta Caruso.

Na visão de economistas, a ampliação das contratações de mão de obra com baixa escolaridade reflete o dinamismo atual do mercado de trabalho brasileiro, estimulado por um crescimento econômico que poderá chegar a 7% este ano, segundo projeções do mercado financeiro e do próprio Banco Central.

Também existe uma reposição natural dos cortes ocorridos durante a crise. Além disso, o fenômeno indica a necessidade de avanço das políticas públicas de emprego e formação profissional, expõe pontos fracos do sistema educacional do país e sugere que as empresas precisam gastar mais para qualificar seus empregados.

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, afirma que o Brasil não pode cometer os mesmos erros do passado, quando as políticas de formação e qualificação de trabalhadores eram descasadas com a demanda do mercado.

“Houve problemas sérios de escassez de mão de obra e grande movimento migratório de trabalhadores durante o milagre econômico [década de 1970]. Nem uma legislação com subsídios fiscais a empresas que qualificavam seus empregados deu certo”, ilustra.

Para ele, empresas e governo devem focar as demandas futuras do mercado de trabalho. “A continuidade do crescimento coloca a questão da formação de profissionais como um avanço importante. Será preciso também atuação maior dos empresários nesse quesito.”

O pesquisador Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS-FGV), enxerga uma competição entre mercado de trabalho e escola.

“É uma tendência preocupante, ligada com a qualidade da educação formal no Brasil: o mercado está chamando, e as pessoas estão deixando de concluir os estudos para ir trabalhar. Por outro lado, tem muita gente aderindo a cursos técnicos”, afirma.

Segundo ele, a taxa de conclusão de programas profissionalizantes entre brasileiros em idade ativa cresceu 75% nos últimos seis anos.

Neri também chama atenção para um ponto que considera muito importante: o desinteresse dos jovens pela escola e a consequente falta de consciência de que, quanto maior a escolaridade, maiores as chances de conseguir um emprego e ter um salário maior.

“Estudos mostram que a renda de uma pessoa passa de R$ 700 para R$ 1.700 só pelo fato de concluir o ensino médio. É pouco? Sim, mas é muito melhor do que R$ 700”, aponta Neri.

(Fonte: Luciano Máximo, Valor Econômico)