Não conseguir dormir, acordar várias vezes durante a noite ou despertar durante a madrugada e não voltar a pegar no sono são características de um problema que, estima-se, atinge 25% dos adultos em todo o mundo: a insônia. A situação tem se tornado, inclusive, uma preocupação para as empresas. Um estudo publicado na edição de setembro da revista científica Sleep mostra que a insônia, nos Estados Unidos, causa uma perda de produtividade anual estimada em US$ 63,2 bilhões (pouco mais de R$ 106 bilhões).

Isso ocorre porque a falta de sono custa a cada trabalhador norte-americano uma média de 11,3 dias de trabalho por ano. O problema surge não porque os funcionários deixam de ir ao emprego, como explica Ronald Kessler, líder do estudo e epidemiologista psiquiátrico do Departamento de Políticas de Saúde de Harvard, ao Correio. “As pessoas com insônia crônica não ficam em casa para repor o sono. Em vez disso, vão para o trabalho, mas executam mal suas tarefas, agravando os efeitos de sua condição no ambiente profissional”, descreve.

A pesquisa foi feita com 7.428 trabalhadores, que participam do Estudo de Insônia Norte-Americano. Os participantes foram questionados sobre hábitos de sono e performance no trabalho. “Concluímos que 23% dessas pessoas têm insônia e que quem sofre desse problema é menos produtivo quando está no emprego, situação que chamamos de presenteísmo”, descreve Donna Arand, coautora do estudo e diretora clínica do Centro de Doenças do Sono do Kettering Hospital. Quem não dorme à noite ou não tem sono de qualidade não falta mais ao serviço do que quem tem uma rotina de sono normal: apresenta, contudo, produtividade claramente mais baixa, que gera prejuízos de US$ 2,28 mil (cerca de R$ 4 mil) por funcionário.

Arand afirma que a insônia afeta a habilidade de as pessoas pensarem com clareza e se concentrarem, além de reduzir a coordenação motora e dos olhos. “Isso significa que as atividades podem demorar mais para serem feitas ou mais erros podem ocorrer.” Ricardo Martins, pneumologista, professor de medicina da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em medicina do sono do Hospital Universitário de Brasília (HUB), concorda com a pesquisadora. Ele utiliza como exemplo a tragédia da usina nuclear de Chernobyl, “atribuída a falhas humanas decorrentes da privação do sono”.
Sem distinções
“O que mais me impressionou no estudo foi notar que o impacto da insônia na vida dos indivíduos é tão grande. Outro fator que me deixou surpreso foi ver que isso acontece com todos os tipos de trabalhadores, desde os de escritórios até os que executam trabalhos braçais”, afirma Kessler. É importante destacar, no entanto, que as mulheres têm mais dificuldade para dormir e manter o sono do que os homens. De acordo com a pesquisa, a incidência de insônia entre as norte-americanas é de 27,1%, contra 19,7% entre os homens. “Acreditamos que esses valores são semelhantes entre as mulheres de todo o mundo. Embora não tenhamos uma resposta definitiva, acreditamos que mulheres sofrem mais com a insônia porque as demandas de tarefas a fazer em casa e no trabalho são maiores do que para o sexo masculino”, estima.

Embora não haja dados estatísticos acerca da incidência de insônia na população brasileira em geral, uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) aponta que 15% dos moradores do estado têm o problema. As principais causas da dificuldade para dormir, segundo Ricardo Martins, são a depressão e a ansiedade. “Outras causas devem ser apuradas, porém, como medicamentos estimulantes, tabagismo, abuso de café, de refrigerantes ou de álcool, inatividade física e doenças como o hipertireoidismo etc.”.

A agente de viagens Angélica Fornazier, 37 anos, afirma que a ansiedade, principalmente em relação ao trabalho, tira seu sono, o que faz seu rendimento profissional cair “entre 30% e 40%”. “Sou uma pessoa muito agitada e, quando estou ansiosa e trabalho muito, não consigo dormir. Com isso, a velocidade de tudo o que faço diminui consideravelmente. Se vou para o trabalho após uma noite sem dormir, levo três horas pra fazer uma planilha que normalmente eu demoraria só uma hora para terminar”, exemplifica. Entre os efeitos que a insônia causa em seu organismo estão dor de cabeça, cansaço — “nem a cabeça nem o corpo se movimentam direito” — e raciocínio mais lento que o comum.

Angélica conta que, atualmente, embora tenha dificuldades para pegar no sono, conseguiu ter mais qualidade de vida, desde que parou de acompanhar grupos de formandos do 3º ano do ensino médio em viagens. “Quando eu tinha que viajar com estudantes, era muito complicado. Eu passava praticamente 10 dias acordada, preocupada em cuidar dos jovens, em fazer relatórios reportando tudo o que acontecia nos passeios”, descreve. Ela acrescenta que, quando voltava para casa, após esse período, chegava cansada, com vontade de dormir, mas seu organismo continuava acelerado e ela passava mais noites em claro. “Quando parei com isso, optei por mais qualidade de vida. Diminuí meu nível de estresse e consegui mais tempo para sair com as pessoas que gosto”, garante.

Gatilho
A dona de casa Filomena Virgílio dos Santos Baião, 43 anos, notou há cerca de dois anos que a insônia estava atrapalhando sua vida. “Há dias nos quais simplesmente não dou conta de fazer as coisas depois de ficar a noite toda acordada”, relata. No caso de Filomena, a insônia se manifestou com mais intensidade quando ela desenvolveu depressão, após a morte do pai. Apesar de tomar remédios controlados para tratar o problema, inclusive um medicamento para dormir, nem sempre o sono aparece — e, quando vem, qualquer barulho mínimo a acorda e surge a dificuldade de voltar a dormir. “O problema é que isso acaba me deixando muito debilitada. Passo o dia tendo crises de tontura, fico com a vista escura, tenho dificuldade de concentração e esqueço o que preciso fazer.”

De acordo com a dona de casa, após passar uma noite em claro, ela demora muito para cuidar dos afazeres do lar. “Demoro muito para lavar roupa e me sinto muito cansada quando termino. Também já houve dias em que meus filhos chegaram da escola e eu não tinha conseguido fazer o almoço para eles”, recorda Filomena. Ela afirma que, segundo seu médico, o problema se torna um círculo vicioso. A ansiedade e a depressão não a deixam dormir. No dia seguinte, ela fica letárgica e não consegue realizar as atividades com a mesma velocidade e qualidade. Consequentemente, ela fica ansiosa — e o problema se repete.

Ronald Kessler afirma que os custos da insônia na produtividade das empresas podem justificar a implementação de programas de tratamento para funcionários. “É fácil pensar que a insônia não é uma doença ‘real’, como câncer ou problemas cardíacos, mas nossos resultados deixam claro que é um problema real e causa danos ao dia a dia profissional das pessoas.” Essa é uma situação que os empregadores não têm mais como ignorar. “A nova questão é se o preço das intervenções vale a pena”, diz o pesquisador.

(Correio Braziliense)