Neste Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, O Brasil se depara com um paradoxo estrutural, apesar de ser a maioria da população, somando 56,4% dos brasileiros com mais de 14 anos, ou mais de 120 milhões de pessoas, a população negra continua ocupando as posições mais precarizadas, informais e menos valorizadas do mercado de trabalho.
Enquanto o mundo do trabalho passa por transformações aceleradas, impulsionadas pela inovação e pela transição energética, as desigualdades raciais e de gênero se mantêm.
A disparidade racial no Brasil tem raízes históricas profundas. Após o fim do sistema escravista, uma grande parcela da população negra continuou sem oportunidades de trabalho e sem emancipação política. Esse quadro de segregação racial e exclusão se replica, em maior ou menor escala, até os dias atuais.
O racismo no Brasil se manifesta de forma estrutural e institucional, aparecendo em processos, práticas e comportamentos que reproduzem desigualdades e restringem oportunidades. Segundo relatório do Banco Mundial, pessoas afrodescendentes têm 2,5 vezes mais probabilidade do que pessoas brancas de viver em situação de pobreza crônica, um indicador que mostra a profundidade da desigualdade social.
Já um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) aponta que o Brasil ocupa uma das piores posições do mundo em mobilidade social, ou seja, uma pessoa nascida na pobreza pode levar até nove gerações, cerca de 225 anos, para alcançar o nível de renda da classe média, considerando as atuais condições de acesso à educação, trabalho, renda e saúde.
Apesar de a população negra ser maioria entre os ocupados (56,7 milhões) e na força de trabalho, sua inserção é marcada pela vulnerabilidade. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) a população negra é maioria entre os trabalhadores informais e desprotegidos que não contribuem com a Previdência Social, e a taxa de desocupação (6,5%) é superior à taxa nacional (5,8%), sendo a situação mais crítica para as mulheres negras, cuja taxa atinge 8,0%.
Homens negros ganham 41,1% menos que homens não negros. O rendimento médio das mulheres negras é o mais baixo de todos os grupos, elas recebem 38,7% menos do que mulheres não negras e 53,2% menos do que homens não negros. Mesmo com diploma de ensino superior, a população negra ganha, em média, 26,4% menos do que os não negros.
RACISMO NA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
A transição para a economia de baixo carbono e o setor de energia, considerados estratégicos para o futuro, falham em promover a equidade racial, reproduzindo as desigualdades estruturais brasileiras.
Um estudo recente do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), que analisou 378 empresas de geração de energia, revela a profunda sub-representação da população negra no setor.
Em todos os setores de energia, a presença de pessoas negras é inferior à sua representação na população e na força de trabalho do Brasil. Nas empresas de energia hídrica, apenas 31,2% dos vínculos formais são de pessoas negras, um dos números mais extremos.
A situação mais grave se dá no cruzamento de raça e gênero. Apenas 7% dos empregos formais em companhias de energia limpa (como solar, eólica e biomassa) no Brasil são ocupados por mulheres negras. No setor hídrico, as mulheres negras somam apenas 6,2% dos vínculos formais, enquanto mulheres brancas somam 17,8% e homens brancos chegam a 47,2%.
O estudo mostra que a presença de profissionais negros é baixa em todos os níveis, desde a base operacional até os cargos de direção, mantendo a predominância masculina (86% dos vínculos formais em fontes limpas).
Diante do cenário, a mudança exige compromisso concreto de empresas, sindicatos e poder público. Atributos de diversidade e práticas inclusivas são indispensáveis para que uma empresa seja inovadora e sustentável, e seu quadro de funcionários deve refletir a sociedade onde está inserida. Companhias com maiores níveis de diversidade étnica tendem a apresentar um desempenho 35% acima da média do mercado.
As grandes corporações, como agentes fundamentais de transformação, têm a responsabilidade de implementar políticas de diversidade de raça, que devem ser um processo contínuo e parte da cultura da organização.
O Brasil não pode mais ignorar a dimensão racial de sua crise socioeconômica. Celebrar o Dia da Consciência Negra vai além de reconhecimento histórico, exige um tom firme e compromissos concretos para desmantelar o racismo institucional que impede a maioria da população de acessar postos de trabalho decentes e bem remunerados. No setor elétrico, a transição energética não será justa nem sustentável se continuar a excluir mulheres e homens negros. A diversidade, portanto, é caminho para a construção de uma sociedade equitativa e justa.

