FOTO: ROBERTO PARIZOTTI (SAPÃO)

Duas pesquisas, embora com intenções diferentes, mostram que a crise econômica, o desemprego e a falta de oportunidades têm levado milhares de trabalhadores e trabalhadoras a se virarem para ter alguma renda e por comida na mesa de suas famílias.

O Brasil virou o país da informalidade. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no segundo trimestre deste ano, 40% dos trabalhadores brasileiros estavam no mercado informal, ou seja, “vendendo” a sua força de trabalho, sem nenhum direito trabalhista, como férias, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ou benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como auxílio-doença, salário maternidade, Seguro-Desemprego etc. Lembrando que, para o IBGE, quem faz bico não é considerado desempregado, mesmo que não tenha nenhuma proteção. É essa geração de emprego que o governo de Jair Bolsonaro (PL) vem comemorando.

Na região Norte, a situação dos trabalhadores é mais dramática ainda, os índices de informalidade estão acima de 50%. O Pará é o estado com maior informalidade: 61%. Veja abaixo a tabela com os índices dos estados.

Empreendedores Individuais

E no Brasil da reforma Trabalhista, que tirou mais de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), explodiu também o número de Microempreendedores Individuais. Manicures, esteticistas e profissionais de diversas categorias perderam os empregos com carteira assinada e foram obrigados a abrir empresas para dar nota fiscal e ter algum direito como a Previdência. A  maioria, é claro, trabalha sozinha, sem gerar empregos, têm renda entre um e dois salários mínimos, mas são festejados pela mídia comercial como os empreendedores do país.

Essa informalidade é estrutural no mercado de trabalho brasileiro, mas hoje o país tem os mais altos índices de trabalhadores sem direito da história.

A única vez em que o país gerou mais emprego formal do que informal foi no governo Lula (PT), diz Fausto Augusto Junior, diretor-executivo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

“O governo Lula diminuiu a informalidade no mercado de trabalho porque também havia programas de formalização com essa intenção. Já os governos que vieram posteriormente não só acabaram com esses programas como retiraram direitos com a reforma Trabalhista [Michel Temer, em 2017], e ainda extinguiram o Ministério do Trabalho [Jair Bolsonaro, em 2019), que só foi recriado no ano passado”, lembra Fausto.

Ápice do emprego formal no Brasil

Desde 2003 houve crescente geração de empregos com carteira assinada, tendência que atinge o ápice em 2010, quando foram gerados mais de 2,5 milhões de empregos formais.

Entre 2002 e 2014 (governos Lula e Dilma), foram gerados mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada. O número total de empregados com vínculo formal de emprego passou de 28,7 milhões para 49,6 milhões.

Mesmo em 2013 e 2014, a geração líquida de postos de trabalho formal foi positiva, em 1,1 milhão e 391 mil, respectivamente. Eram 48,1 milhões em 2015. Com o golpe de 2016 e a pandemia, entre 2015 e 2020 foram perdidos mais de 9 milhões de empregos formais, de acordo com informações do artigo dos economistas Eduardo Fagnani, Gerson Gomes e Guilherme Mello.

Conceito de trabalho informal

O IBGE leva em consideração as seguintes categorias informais: empregados no setor privado sem carteira assinada, empregados domésticos sem carteira, empregadores sem registro de CNPJ, trabalhadores por conta própria sem CNPJ e trabalhadores familiares auxiliares.

O diretor-executivo do Dieese explica que se chama trabalho informal quando o trabalhador está empregado, mas não tem registro em carteira.

Já o autônomo que está na informalidade, é quem oferece a sua força de trabalho, mas não tem direito. O por conta própria trabalha para ele mesmo, sem ter chefes. O desempregado é, na verdade, o desocupado, aquele que procura emprego e não consegue uma vaga de trabalho, não faz sequer um bico.

A informalidade, de acordo com o IBGE, tem características relacionadas a atividades econômicas. Está mais no comércio, em alguns serviços, na construção, e menos na indústria e em serviços prestados às empresas.

Índice de informalidade nos estados

De acordo com a pesquisa do IBGE, do total de 27 unidades da federação, 11 que ficam no Norte e Nordeste registram taxas de informalidade superiores a 50%.

O maior índice foi encontrado no Pará (61,8%), seguido por Maranhão (59,4%) e Amazonas (57,7%).

Os três menores índices foram encontrados em Santa Catarina (27,2%), no Distrito Federal (31,2%), e em São Paulo (31,1%).

Confira a tabela com a taxa de informalidade no 2º trimestre de 2022, em percentuais

Brasil 40
Pará 61,8
Maranhão 59,4
Amazonas 57,7
Piauí 56,1
Bahia 53,1
Pernambuco 52,9
Ceará 52,8
Paraíba 52,2
Sergipe 52
Amapá 51,4
Rondônia 50,4
Acre 48,2
Roraima 47,9
Rio Grande do Norte 46,3
Alagoas 45,2
Tocantins 41,7
Espírito Santo 40,1
Goiás 39,5
Minas Gerais 38,7
Mato Grosso 37,2
Rio de Janeiro 36,5
Mato Grosso do Sul 34,3
Rio Grande do Sul 32,8
Paraná 32,2
Distrito Federal 31,2
São Paulo 31,1
Santa Catarina 27,2

Fonte: IBGE

Metade dos empreendedores tem renda de um salário mínimo

A outra pesquisa que mostra como a crise econômica afeta milhões de pessoas sem empregos formais, é a do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Segundo dados do Atlas dos Pequenos Negócios mais de 45% dos empreendedores que abriram uma empresa do Microempreendedor Individual (MEI), conseguem ter renda de no máximo um salário mínimo (R$1.212) e outros 27% conseguem uma renda entre um e dois mínimos (R$ 2.424).

No final do ano passado, o número de MEIs no país chegou a 26 milhões. No entanto, nove em cada dez donos de negócios no Brasil não têm funcionários. Ou seja 90% deles trabalham por conta própria, sem gerar empregos direitos.

São empreendedores que trabalham por conta própria e desenvolvem todas as funções dentro da empresa, desde o investimento até a venda ou prestação de serviço.

“Houve a glamourização do chamado “empreendedorismo”. Hoje até domésticas e faxineiras são MEIs, o que antes era proibido.  O “empreendedorismo” substituiu a empregabilidade, mas o conceito não bate porque empreendedor é aquele que tem alguma reserva e investe num negócio, abre uma loja, uma fábrica, gera empregos.

A grande maioria dos empreendedores só tem a força de trabalho para vender

– Fausto Augusto Junior

O MEI nasceu para formalizar esses trabalhadores e dar algum direito, como os da Previdência.  No entanto, hoje uma manicure abre uma MEI, compra seus equipamentos, seus meios de produção, e presta serviços num salão. Já faxineiras não vão comprar o seu instrumento de trabalho, uma vassoura, por exemplo, para fazer a limpeza, e ainda assim são MEIs.

“É a banalização de uma figura jurídica criada para alguma forma formalizar o trabalho. O MEI é formalizado pelo sistema, mas ele é um trabalhador precarizado, com direitos rebaixados que no final das contas trabalha acima da jornada”, critica Fausto.

Via Central Única dos Trabalhadores.