Desde o início de fevereiro, após a divulgação do resultado da arbitragem do processo movido pelo Consórcio Santo Antônio Civil (CSAC), formado pela Andrade Gutierrez e pela Construtora Odebrecht, contra o consórcio controlador da SPE Santo Antônio Energia S.A., tornaram-se públicas as disputas entre os sócios da SPE e também entre as auditorias externas da SPE (Deloitte) e de Furnas e Eletrobras (PWC).

Essas disputas se dão entorno do entendimento sobre o impacto do resultado dessa arbitragem nos resultados e nas perspectivas econômico-financeiras das referidas companhias. O 1º round dessa disputa terminou sem que as partes chegassem a um entendimento comum. A Eletrobras registrou (no balanço) um resultado negativo para a SPE Santo Antônio Energia S.A. no ano de 2021, considerando nesse resultado o registro do impacto da arbitragem. Já a SPE Santo Antônio Energia S.A., que apresentou seus resultados ainda em fevereiro, divulgou um lucro de R$6 milhões em seu resultado para o ano de 2021, sem registrar os impactos da referida arbitragem.

Isso resultou em um registro, pela Eletrobras, de um investimento com valor nulo em sua demonstração financeira, ou seja, que o investimento não teria valor. Isso fica claro na Demonstração Financeira da Empresa, onde consta que: “a Companhia considerou os desembolsos futuros estima dos pela SAESA referentes ao procedimento arbitral e seus reflexos na perspectiva de sócio investidor efetuando o ajuste no investimento societário da MESA, que excedeu sua participação na investida, logo, sendo representado pela nulidade do investimento.”

Contudo, essa mesma polêmica voltou a provocar problemas para Eletrobras, provocando o atraso no relatório 20-F, um dos passos necessários para a realização de sua privatização. Diante das dificuldades da empresa e prevendo possíveis desdobramentos da sentença arbitral contra Santo Antônio Energia S.A., os administradores da companhia decidiram lançar mão de um aumento de capital social da Companhia na ordem de até R$ 1,582 milhão. Essa iniciativa, que partiu do presidente do Conselho Fiscal de Madeira Energia S.A, controladora da Santo Antônio Energia S.A., tinha o objetivo de tentar encaminhar os problemas da companhia, limpando o caminho para a publicação do relatório da Eletrobras. Entretanto, as dificuldades para articular as ações com os sócios e os desdobramentos negativos dessa atitude impulsiva podem jogar contra a própria Eletrobras.

No dia 2 de maio, a CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais) tornou público Comunicado ao Mercado com o seguinte teor:

“A SANTO ANTÔNIO ENERGIA S.A (“SAE” ou Companhia”). Nos termos da Resolução da Comissão de Valores Mobiliários n° 44, de 23 de agosto de 2021, comunica ao mercado que a assembleia Geral Extraordinária da Madeira Energia S.A. – MESA, controladora integral da SAE, realizada na data de hoje, os acionistas, por unanimidade, aprovam o aumento de capital social da MESA no valor de R$ 1.582.551.386,00, a ser realizado para fins de integralização na SAE em moeda corrente no país dentro dos prazos legais”

No mesmo Comunicado ao Mercado a CEMIG informa que: “renuncia ao direito de subscrever suas ações e não fará aporte referente a sua participação”.

Os outros sócios na SPE não demonstraram, até agora, qualquer interesse ou capacidade para participar da capitalização da MESA. É curiosa também que essa complexa operação envolva interesses de companhias que estão ao mesmo tempo no Consórcio beneficiário da arbitragem e como sócias na Sociedade de Propósito Especifico. O Consórcio Santo Antônio Civil (CSAC), que é parte do processo de arbitragem, é formado pela Andrade Gutierrez e ela Construtora Odebrecht, que também são sócias da SPE.

Caso Furnas decida se aventurar em uma possível capitalização da MESA, ela passaria a ser controladora da companhia com cerca de 72% das ações. Como Furnas é uma empresa estatal, a UHE Santo Antônio deixaria de ser apenas uma SPE com participação de Furnas e passaria a ser um ativo corporativo desta.

Essa estatização às pressas da UHE Santo Antônio, cujo objetivo parece ser apenas para socorrer os demais sócios privados e dar andamento ao processo de privatização, teria importantes implicações para Furnas e para a Eletrobras. A Eletrobras teria que explicar por que destinar bilhões a um investimento que considera ter valor nulo! Além disso, a Eletrobras dificilmente conseguiria demonstrar a vantajosidade da operação, em um processo que respeitasse os trâmites necessários para garantir conformidade do processo, em um cronograma apertado, pois a operação é complexa demais. E isso acarretaria em mais atrasos para os cronogramas da empresa.

O que complica ainda mais o quadro é que a operação parece já ter começado errada. Fica claro de início que há uma inconsistência entre a base utilizada para avaliar os preços das ações da companhia utilizados na AGE que propôs o aumento da capital na SPE Santo Antônio Energia S.A. e a valoração feita pela Eletrobras para esse investimento que, segundo suas demonstrações financeiras, tem valor nulo atualmente. O posicionamento dos demais acionistas, que de antemão já não se dispuseram a fazer aporte, é um forte indicativo da não existência de vantajosidade da operação e do risco de que a mesma não se efetive. De toda forma, um investimento dessa monta precisa de estudos aprofundados que deem conta de todas as suas possíveis consequências.

Não se sabe como se resolverá a questão, especialmente tendo em vista que um eventual aporte inferior aos montantes indicados pela companhia na AGE não seria suficiente para resolver os problemas de insolvência da SPE Santo Antônio, e poderia acarretar no acesso as garantias dadas pelos sócios, inclusive de Furnas e da Eletrobras. Por outro lado, um eventual aporte de Furnas que supere a proporção de sua participação seria de grande risco, um ato de grande irresponsabilidade, podendo ter repercussões sérias sobre sua situação econômico-financeira.

Neste sentido, estamos acompanhando de perto essa operação para exigir que seja feita de acordo as normas contábeis vigentes e para que siga todos os processos de conformidade necessários, sem atropelos.

A alta administração da Eletrobras já ultrapassou o limite da irresponsabilidade, mas uma hora a casa deles vai cair! A coleção de absurdos que eles têm praticado para acelerar a privatização não ficará impune. Alguns dirigentes já perceberam isso e já estão pulando fora do barco! Não foi por acaso que o presidente de Furnas pediu para sair… Em reportagem, o site da revista Veja (veja aqui) indica que a pressão pelo aporte de Furnas em Santo Antônio influenciou a decisão de saída de Clóvis Torres. Os ratos mais espertos já começaram a pular do navio antes mesmo dele começar a afundar. De nossa parte, não nos furtaremos em responsabilizar administradores e auditores independentes, de Furnas, Eletrobras e também da MESA, por possíveis atos lesivos ao patrimônio da Eletrobras e da União, e desde já avisamos que aqueles que estão à frente desse processo devem estar cientes das responsabilidades pelos seus atos.

Reprodução do boletim da Associação dos Empregados da Eletrobras – AEEL