REUTERS/Pilar Olivares

No dia 08 de março de 2022, o Jornal Correio Braziliense publicou a nota “Usina de problemas” se referindo a uma arbitragem bilionária na Usina de Santo Antônio. No dia seguinte depois de diversas denúncias e apurações, o Coletivo Nacional dos Eletricitários divulgou boletim repercutindo o assunto.

Santo Antônio Energia é uma UHE e 3,5 Gw, trata-se de uma Sociedade de Propósito Específico (espécie de Parceria Público Privada) onde Furnas, subsidiária da Eletrobras detém mais de 43% do capital, tendo como sócias, Cemig, Odebrecht Energia, Andrade Gutierrez e o FIP Amazônia Energia.

Para entender o caso da arbitragem, é preciso lembrar que a Usina foi leiloada em 2007 e com o início das obras em 2008, o período colecionou polêmicas como o atraso na construção em uma greve e vários problemas de licenciamento ambiental. Não contando com os percalços do cronograma, Santo Antônio comercializou energia para uma venda futura. Como a hidrelétrica não conseguiu gerar essa energia devido ao atraso nas obras, por contrato o consórcio teve que comprar no mercado livre, de outras usinas, para entregar aos clientes. Porém, com a disparada no valor da eletricidade em 2014 devido à falta de chuvas, o cumprimento dessa determinação provocou um prejuízo bilionário à empresa. A direção de Santo Antônio Energia responsabilizou o Consórcio Construtor pelo atraso. Para definir a responsabilidade da dívida, instalou-se o procedimento arbitral CCI 21.511/ASM.

Em março, nós denunciamos que esta arbitragem chegava a R$ 18 bi e os serviços da dívida a quase R$ 1,8 bi e que Santo Antônio não revisou seu balanço anual para assumir os serviços da dívida, pois isso iria atrasar o balanço da Eletrobras e inviabilizar a janela de privatização de 13 de maio. A Eletrobras, portanto, colocou panos quentes, disse que a arbitragem não estava definida. Mentira!

Agora, já com esta janela de privatização perdida, Santo Antônio Energia tem alto risco de execução arbitral e a Eletrobras pode ter que aportar indiretamente até R$1,5 bilhão na empresa que controla a hidrelétrica de Santo Antônio, para evitar a aceleração do vencimento de dívidas mais que dez vezes superiores a esse valor.

Furnas, em atitude independente da controladora Eletrobras, se antecipou e aprovou em diretoria e em conselho nesta semana a realização de um aporte de até R$1,5 bilhão em Santo Antônio caso a sentença arbitral contra a companhia seja executada.

O valor aprovado por Furnas corresponde ao total necessário para quitar as pendências referentes à arbitragem em Santo Antônio. Se fizer a injeção de capital sozinha, Furnas passará a ter 80% no empreendimento, de 43% atualmente. Nesse caso a SPE passa a ser estatal e o impacto de reestruturação societária pode comprometer a confiabilidade e fidedignidade na consolidação de informações dos relatórios a serem enviados à SEC nos EUA. Essa turbulência pode estagnar por semanas ou meses o processo de privatização da Eletrobras.

O cenário é mais estarrecedor porque há uma guerra entre os acionistas de Santo Antônio. Cemig, Andrade Gutierrez e Odebrecht se recusam a aportar os valores do serviço da dívida. As reuniões entre acionistas têm sido tensas com discussões acaloradas e de pouco entendimento. Alguns nem se falam mais.

Nem as estatais do grupo se entendem. Eletrobras, Cemig e Furnas estão se digladiando nos bastidores sob uma tentativa discreta de mediação do Ministério de Minas e Energia.

Naturalmente todo esse arranca rabo societário tem registros contábeis e financeiros. Se quando esses valores foram suscitados preliminarmente na mídia, as auditorias PwC e Deloitte saltaram das tamancas e fizeram uma guerra particular, neste momento reina o caos. Há uma guerra de auditorias independentes!

Os auditores não se entendem na forma de registro dos valores e em uma saída honrosa sem ressalvas, já que a SEC americana, ao contrário da CVM brasileira, não admite ressalvas no Relatório 20-F. E não custa lembrar que a Arthur Andersen quebrou por simulação contábil no Caso Enron e que nós não vamos ser modestos nas nossas denúncias à SEC e PCAOB.

O episódio de Santo Antônio não tem cara de final feliz. No mínimo vai distribuir algumas tornozeleiras aos envolvidos. Mas este bastidor asqueroso é só mais uma de tantas histórias que tramitam em diretoria e conselho na Eletrobras e subsidiárias para acelerar o processo de privatização da Eletrobras. Há um descaso generalizado com os próprios CPFs e com aquilo está se deliberando e isto fica claro nas atas. São mal assessorados, gananciosos e vão pagar caro por isso!