A tentativa de privatização da Eletrobras tem sido um festival de absurdos com fraudes formais e legais. No Congresso Nacional tratoraram o tema por medida provisória em rito sumário, encheram de jabutis e com sessões telepresenciais no auge da pandemia. No TCU, a primeira fase da privatização sofreu duras críticas da área técnica, do MP de Contas e do voto revisor do Ministro Vital do Rego deflagrando subavaliação e impacto na conta de luz de brasileiros e brasileiras. Na recente AGE de acionistas para deliberar sobre a modelagem da privatização, foram ingressadas várias ações judiciais questionando as tantas ilegalidades e na assembleia, minoritários e um ex-conselheiro de administração fizeram registros pesadíssimos sobre os riscos de dano para o Brasil e para os acionistas na operação.

Para atender a interesses de um grupo específico de bilionários brasileiros, tudo vem sendo solenemente ignorado expondo cada vez mais os CPFs dos diretores e conselheiros da Eletrobras e dos agentes do governo que materializam os maiores escândalos de uma operação de privatização na história do Brasil.

Na tentativa desenfreada de privatizar a Eletrobras, o próximo passo dos tresloucados privatistas é tentar concluir o balanço da estatal com números de referência para a operação (4º trimestre de 2021) até o prazo exíguo de 14 de março (segunda feira próxima). Nas regras do jogo, dentro da legalidade, a missão é praticamente impossível, mas para correr com o processo começam a aparecer escândalos, fraudes contábeis grosseiras e um cenário tenebroso para os envolvidos.

No Correio Braziliense de ontem (08/03), na Coluna da Denise Rotenburg, a nota “Uma usina de problemas” escancarou a fraude contábil da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio que tem relevante participação da Eletrobras Furnas. Para dar clareza vamos primeiramente transcrever a nota na íntegra:

“Usina de problemas
Pode vir mais um percalço no caminho da privatização da Eletrobras. A consultoria independente Deloitte recomendou à Santo Antonio Energia que ajuste o seu balanço de 2021, já publicado, para que sejam reportadas perdas em um processo de arbitragem em que a empresa foi derrotada. Trata-se da definição de responsabilidade de uma dívida com o consórcio construtor da usina. Sua inclusão no balanço representaria uma provisão em R$ 2 bilhões para a Santo Antonio pagar a dívida.

Nem vem
O problema é que refazer o balanço afetaria diretamente o cronograma de publicação das contas de Furnas e da Eletrobras. A divulgação dos resultados é uma das principais referências para que a operação de privatização da Eletrobras ocorra até 13 de maio, data considerada limite pelo comando da empresa para aproveitar a “janela de oportunidade” na Bolsa de Nova York, onde também será feita a oferta de ações da companhia.

Nem vai
Governo e Eletrobras pressionam a diretoria da Santo Antonio Energia para manter o balanço como está, e a privatização possa ir adiante. No entanto, de acordo com fontes que acompanham de perto esse processo, a Deloitte insiste na mudança da publicação do balanço. A queda de braço será grande.”

É importante registrar que além da nota do Correio, estamos recebendo diversas denúncias sobre o caso no Canal Salve a Energia – Escuta Digital e vamos trazer alguns esclarecimentos apurados.

Para entender melhor, Santo Antônio Energia é a concessionária responsável pela implantação e operação da Hidrelétrica Santo Antônio – localizada no Rio Madeira, em Rondônia. Com 3,7 GigaWatts de potência instalada, é a quarta maior usina do Brasil. Com capacidade de geração de energia para atender até 45 milhões de pessoas.

Trata-se de uma Sociedade de Propósito Específico (espécie de Parceria Público Privada) onde Furnas, subsidiária da Eletrobras detém mais de 43% do capital, tendo como sócias, Cemig, Odebrecht Energia, Andrade Gutierrez e o FIP Amazônia Energia.

A Usina foi leiloada em 2007 e com o início das obras em 2008, o período colecionou polêmicas como o atraso na construção em uma greve e vários problemas de licenciamento ambiental. Não contando com os percalços do cronograma, Santo Antônio comercializou energia para uma venda futura. Como a hidrelétrica não conseguiu gerar essa energia devido ao atraso nas obras, por contrato o consórcio teve que comprar no mercado livre, de outras usinas, para entregar aos clientes. Porém, com a disparada no valor da eletricidade em 2014 devido à falta de chuvas, o cumprimento dessa determinação provocou um prejuízo bilionário à empresa. A direção de Santo Antônio Energia responsabilizou o Consórcio Construtor pelo atraso. Para definir a responsabilidade da dívida, instalou-se o procedimento arbitral CCI 21.511/ASM.

Recentemente, no início do ano foi consolidado o resultado da arbitragem com fato relevante publicado em 07 de fevereiro. A direção de Santo Antônio foi derrotada e a dívida é estimada em dois dígitos de bilhões, chegando perto dos R$ 20bi. O balanço anual de Santo Antônio Energia foi aprovado em Conselho de Administração da empresa no dia 08 de fevereiro, com votos contrários de dois conselheiros e arquivado na CVM em sequência sem registrar a derrota na arbitragem, mas o assunto já era de conhecimento da direção da empresa e vinha sendo tratado a sete chaves. Pelas regras contábeis de eventos subsequentes pelo menos os juros da dívida estipulada na arbitragem que giram em torno de R$ 2 bilhões deveriam ser provisionados no balanço de Santo Antônio e proporcionalmente no de Furnas e no da Eletrobras.

É exatamente aí que entra o ponto denunciado na nota do Correio Braziliense e que revela forte pressão dos acionistas, principalmente de Furnas e da Eletrobras para não alterar o balanço. Querem tomar a decisão de não refazer o balanço de Santo Antônio para não assumir/registrar a derrota na arbitragem. Se o balanço de Santo Antônio for refeito (e legalmente tem que ser), todos os cronogramas do balanço da Eletrobras caem por terra. E Cabe registrar que a publicação do balanço de 2021 da Eletrobras é elemento fundamental para a conclusão da privatização até 13 de maio (prazo legal mais afastado do processo eleitoral).

A Deloitte, auditora independente de Santo Antônio, está em uma queda de braços com os sócios da hidrelétrica para honrar a fidedignidade das informações contábeis e financeiras. No âmbito da Eletrobras, a auditoria externa PwC que assina está apreensiva e não concorda com a maquiagem contábil. Há um risco imenso de informações descasadas na Comissão de Valores Mobiliários do Brasil e na Securities and Exchange Commission nos EUA (Eletrobras também opera na Bolsa de NY). E esse escândalo de fraude contábil vem sendo desenhado a muitas mãos.

O descasamento das informações financeiras de Santo Antônio, Furnas e Eletrobras pode deflagrar um dos episódios financeiros mais nefastos da história do Brasil. E os atores estão assumindo para si esse risco, tão somente para não paralisar por semanas o processo de privatização da Eletrobras.

A sociedade brasileira exige explicações! Queremos publicidade dos votos contrários em separado dos conselheiros de Santo Antônio, Larissa Campos Breves e João Antônio Pinheiro Sampaio Meirelles. Queremos saber a relação do resultado da arbitragem de Santo Antônio com a recente nomeação do novo presidente Daniel Faria Costa e da diretora de relações com investidores Ana Paula Galetti Romantini. Por que querem esconder a arbitragem de Santo Antônio infringindo as regras do Comitê de Pronunciamentos Contábeis?

É sempre pertinente lembrar de um escândalo famoso envolvendo maquiagem de balanço que faliu a empresa de energia elétrica Enron nos Estados Unidos e levou junto a auditoria independente (até então big Five) Arthur Andersen. Será que Santo Antônio Energia, Deloitte, Furnas, Eletrobras e PwC não conseguem tirar lições desse episódio catastrófico para não estarem expostos a repetir a mesma história no Brasil?

Naturalmente, este escândalo de Santo Antônio sem precedentes no Brasil está sendo devidamente denunciado pelo Coletivo Nacional dos Eletricitários na CVM, no MPF, na Comissão de Ética Pública, na CGU, no Conselho Federal de Contabilidade nas ouvidorias de Santo Antônio, Furnas e Eletrobras, nos plenários do Congresso Nacional e no Tribunal de Contas da União. Obviamente também vamos à SEC americana

Sabemos que o caso da Arbitragem de Santo Antônio é um entrave no processo de privatização da Eletrobras e vamos aos quatro cantos denunciar esse compêndio de absurdos.

É preciso ter força, é preciso ter gana, é preciso ter raça sempre! Nós que lutamos contra a privatização da Eletrobras há pelo menos 57 meses, não vamos descansar um segundo sequer, até todos estes escândalos serem detalhadamente denunciados e apurados e todos os envolvidos serem devidamente responsabilizados. Não chegamos até aqui à toa. Foi tudo sempre fruto de muita luta e organização. Chegou a hora do sprint final para varrer de vez da história do Brasil o absurdo festival de fraudes da tentativa de privatização da Eletrobras. O CNE reforça aos trabalhadores, se tiverem qualquer suspeita sobre o processo de privatização, denunciem no Canal Escuta Digital do Salve a Energia.

Só há vitória com luta e determinação!

Eletrobras Pública, Brasil Soberano!