Atividade do MTD – DF no Sol Nascente Trecho III – Matheus Alves

Noite de evento do MTD (Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos) no Sol Nascente, vizinhança chegando e clima de curiosidade entre as crianças. Estava tudo pronto para celebração do dia das mães com uma projeção a céu aberto do filme “Minha Mãe é uma Peça”. Eis que escutamos um estalo e em seguida, escuridão! Era mais uma queda de energia no Trecho 3.

No Brasil, 99,8% da população têm acesso à energia elétrica, segundo o IBGE. Nas áreas urbanas o acesso é considerado universalizado e em 5 estados, incluindo o Distrito Federal, toda a população tem energia desde 2015. Mas isso não significa que todos na cidade desfrutem de energia de qualidade. Quando falamos em acesso à energia, dois pontos importantes têm que ser considerados: a disponibilidade, que é o fornecimento de energia elétrica pela concessionária, e a acessibilidade, que é a capacidade de pagamento das tarifas de energia pelos consumidores.

No caso de muitas habitações em áreas de baixa renda no Brasil, o serviço não é oferecido e, em outros casos, os altos custos de energia são incompatíveis com a renda das famílias. Desse modo, resta a solução das ligações irregulares de energia (o famoso “gato”) como forma de garantir acesso ao serviço, embora de má qualidade e com riscos aos moradores.

Nila mora desde 2013 no Trecho 3 do Sol Nascente, onde o serviço ainda não foi regularizada, e reclama que as quedas de energia são frequentes e duradouras. A lista dos equipamentos que já perdeu com as quedas é extensa: máquina de lavar, panela de arroz elétrica, ferro de passar, geladeira e freezer. Há outros problemas: as instalações precárias geram risco de choque elétrico e causam curtos circuitos e explosões nos fios e transformadores, que são geralmente fonte de incêndios. Por fim, há o risco judicial por ser essa uma prática considerada crime de furto de energia pelo Código Penal. Mas quais alternativas existem quando o Estado se exime da sua responsabilidade de prover o serviço público?

Essa é a realidade de muitas áreas periféricas, que reflete a segregação: em parte da cidade há luz e segurança, na outra, breu e riscos.

Uma discussão que vem crescendo nessa área é sobre “justiça energética”, que busca encarar as questões de energia como problemas de justiça social, levando em conta aspectos morais e éticos, não apenas os técnicos que geralmente permeiam as discussões do setor. Assim, o objetivo principal da política energética deve ser a equidade no acesso.

Parece óbvio, mas não é como funciona na prática.

O justo seria garantir que a energia elétrica seja fornecida e por um preço justo. Em cidades onde o custo de vida é alto, o benefício da Tarifa Social oferecido pelo governo seria uma forma de equilibrar os valores para que as famílias de baixa renda pudessem arcar com a conta de luz.

Contudo, os critérios de adesão não refletem a realidade de consumo de energia de muitas famílias, que não conseguem se enquadrar nesse benefício. Para piorar, a situação do acesso à energia se agravou durante a pandemia, quando não só houve aumento do desemprego e da fome, mas também da conta de luz, comprometendo ainda mais a renda familiar.

Com as medidas de prevenção (e a falta de um plano nacional de enfrentamento do novo coronavírus), a dependência de energia nos domicílios também aumentou, uma vez que crianças e adultos passam mais tempo dentro de casa. Sabemos também que a carga de trabalho doméstico não remunerado cresceu para as mulheres e que esse trabalho depende de energia (como por exemplo, para uso de máquina de lavar roupa). Ou seja, a instabilidade na energia domiciliar é pior para as mulheres e é mais um fator a compor o quadro da desigualdade de gênero.

Mas a comunidade resiste na força das mulheres. Diante das dificuldades e do desemprego, muitas mulheres passaram a trabalhar em casa produzindo artesanatos, roupas e comidas para vender. Esse é o caso das mulheres que participam do coletivo “A Renda Delas”, no Sol Nascente, iniciativa que surgiu no MTD com o objetivo de fortalecer e divulgar os produtos e serviços das mulheres. Aqui, novamente, para produzir e garantir trabalho e renda, elas precisam de fornecimento estável de energia.

A justiça energética é um conceito que nos ajuda a colocar em perspectiva diversas relações desiguais que existem na cidade. A falta do acesso à energia firme e seguro geralmente ocorre em um contexto de ausência de outros serviços, como regularização fundiária, asfalto e saneamento, e relaciona-se com a falta de garantia de direitos, como segurança, saúde e bem estar.

E tudo isso está ligado a uma outra dimensão mais importante e ampla, a do direito à cidade. O direito à cidade diz respeito a condições de moradia e vida digna, a não viver excluído e poder decidir coletivamente o que é melhor para sua região. É sobre ocupar as ruas e praças, circular com segurança e desfrutar das qualidades e benefícios da vida urbana. A energia é uma condição básica para transformações maiores e necessárias. Conforme nos ensina David Harvey, o direito à cidade não representa apenas a liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade. 

*Ligia Kawata é gestora ambiental, doutoranda em desenvolvimento sustentável e militante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa  a linha do editorial  do jornal Brasil de Fato – DF.

Fonte: https://www.brasildefatodf.com.br/