Defender interesses corporativos ou as aspirações da sociedade? Atualmente, 70% dos deputados distritais vivem esse dilema. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Soma Opinião e Mercado mostra que 17 dos 24 distritais representam grupos específicos, que possuem pautas bem definidas. Dez deputados são de bases corporativas, como policiais, médicos, professores; quatro representam fiéis de diferentes igrejas; e três são empresários. Apenas sete foram eleitos por votos distribuídos no Distrito Federal ou por regiões específicas.

O levantamento mostra que essa é uma tendência política. Na primeira formação da Câmara Legislativa, em 1990, a conta era inversamente proporcional, ou seja, apenas 30% dos deputados representavam interesses restritos. Os números mudaram aos poucos no decorrer dos últimos 20 anos e devem continuar nesse ritmo.

Segundo o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília David Fleischer, a organização de um grupo social, sindical ou religioso facilita a mobilização em torno de uma pessoa. Para ajudar na identificação com o grupo, muitos candidatos adotam a categoria no nome. São doutores, pastores, professores, coronéis, entre diversos outros.

O deputado distrital Dr. Charles (PTB) tem base eleitoral na área da Saúde. “Exerço a profissão há 20 anos e fui o médico mais votado na eleição passada para deputado distrital”, explica. Ele recebeu 11.591 votos, mas garante que também teve eleitores de fora da base. Para disputar com ele uma vaga na próxima eleição, outros 23 candidatos acrescentaram o “doutor” na alcunha.

A tática é muita utilizada entre os evangélicos. São seis bispos e 11 pastores declarados. Peniel Pacheco (PDT) já foi deputado distrital, é pastor da Assembleia de Deus, mas não adotou a função no nome. Aliás, ele se diz contra essa postura. “Acho isso uma falha, porque você é pastor quando está atuando na comunidade, mas não pode pastorear na Câmara”, diz. Segundo Peniel, há um grande risco de transformar a atuação religiosa em radicalismo ideológico ao se misturar o púlpito da igreja com a tribuna parlamentar. “Não se pode fazer pregação na propaganda eleitoral e nem campanha entre os fiéis”, destaca.

David Fleischer diz que o maior problema surge quando o político precisa se posicionar no parlamento sobre questões ligadas à própria base. “Ele representa os interesses do grupo que o elegeu e deixa a população a ver navios. Isso é ruim para a Câmara e para a sociedade, visto que cada vez menos deputados defendem os interesses gerais”, afirma o professor. Para ele, a única solução é a adoção do sistema de lista fechada. “É importante fortalecer os partidos para que as linhas ideológicas sejam mais bem definidas e as atuações parlamentares mais abrangentes.”

Bases eleitorais

Outros grupos também se destacam na lista de candidatos. A segurança tem 15 postulantes com a patente estampada no nome que vai para a urna na eleição de outubro. São cabos, coronéis, subtenentes, sargentos, majores, além de bombeiro e delegado. A educação é a mais representada. São 28 professores disputando a indicação dos colegas.

Mas nem todos estão identificados. Na última legislatura, apenas os deputados Batista das Cooperativas (PRP), Pastor Aguinaldo de Jesus (PRB) e Dr. Charles (PTB) foram eleitos estampando nos nomes as origens. Apesar disso, todos contam com base eleitoral em segmentos ou regiões específicas (veja o quadro).

A vida política da deputada distrital Érika Kokay (PT) nasceu no movimento sindical. Ela foi presidente do Sindicato dos Bancários e da Central Única dos Trabalhadores no DF. Para a deputada, não há problema em se eleger alguém que represente um segmento, desde que os interesses desse grupo não se sobreponham às necessidades da população. “Sempre defendi os direitos dos trabalhadores, que são harmonizados com as lutas da sociedade”, afirma.

Érika chama a atenção para os casos em que os interesses privados se sobrepõem aos coletivos. Segundo a distrital, essa pode ser a origem para os casos de corrupção, como aconteceu na Caixa de Pandora. “As pessoas se sentem donas dos recursos públicos e os utilizam para o benefício próprio, além de receberem cargos para distribuir livremente para os membros do seu grupo”, analisa a petista.

Sobrenomes conhecidos
Quando o assunto é criar identificação com o eleitor, a criatividade nem sempre é essencial. A opção de muitos candidatos é seguir o óbvio e deixar a própria marca no nome político. Elisabete Gomes (PTB) não teve dúvidas. Ela trabalha no sistema público de saúde há 24 anos. “As pessoas me identificam com a minha profissão, por isso fica mais fácil ser reconhecida como Enfermeira Bete”, justifica.

Suas propostas são centradas nas questões relativas à Saúde, inclusive para o servidor da área. “Quero lutar pela qualidade de vida das pessoas, mas também pela valorização dos profissionais”, diz. A sua base de eleitores é formada por pessoas envolvidas com o setor, sejam os pacientes atendidos ou os colegas de trabalho.

Para o publicitário e professor de Marketing e Comunicação da Fundação Getulio Vargas Jorge Leite, a estratégia de adotar um “sobrenome” conhecido é eficiente. “As pessoas, de um modo geral, são identificadas por alguma referência. É o José da Feira, a Maria de Ceilândia ou o Padre Jorge. Isso é natural e pode ser levado para a política”, diz. “A questão fundamental é que o candidato será marcado para sempre com a identidade escolhida”, destaca.

Na lista de aspirantes a uma vaga na Câmara Legislativa, não faltam exemplos. Simone Hip-Hop (PRB), Vicente dos Inquilinos (PTC), Moyses dos Correios (PCdoB), Jane da 3ª Idade (PR). Todos fazem questão de deixar claro para os eleitores de onde vêm ou quais são suas bandeiras.

Segundo Jorge Leite, isso faz com que o eleitor sempre faça a ligação exclusiva entre o político e a determinada área. Para a Câmara Legislativa, o candidato pode se eleger com os votos de apenas um segmento, mas o mesmo não ocorre para quem deseja disputar outro cargo político, como governador ou senador.

Dia de campanha
» O candidato a governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC) aproveitou o domingo de sol para se reunir com dois grupos que podem lhe render uma boa quantia de votos nestas eleições: evangélicos e integrantes de cooperativas de transporte. Já Agnelo Queiroz (PT) reuniu-se com lideranças comunitárias do Paranoá e ouviu os apelos da população por mais segurança, saúde e pela regularização dos terrenos da cidade. Ele percorreu as ruas da cidade, acompanhado de aproximadamente 100 simpatizantes munidos de bandeiras, adesivos e faixas com propaganda eleitoral.

Força do partido
Em um sistema de lista fechada, os líderes partidários estipulam a ordem dos candidatos a serem eleitos pela chapa. Em vez de escolher um nome, o eleitor só pode votar na lista. As vagas conquistadas são distribuídas na ordem definida antes das eleições.

(Fonte: Ricardo Taffner, Correio Braziliense, 19.07.10)