O ministro da Economia do governo Bolsonaro Paulo Guedes chegou ao Fórum Econômico Mundial de Davos de 2020 com um discurso sob encomenda. Está tudo afinado com o tom das oligarquias de Wall Street. A primeira repercussão do seu papel no encontro dos donos do dinheiro mundial foi sobre a fala que atribuiu aos pobres a responsabilidade pela destruição do meio ambiente no Brasil.

De acordo com sua tese, as pessoas pobres destroem o meio ambiente porque precisam comer. “Eles (os pobres) têm todas as preocupações que não são as preocupações das pessoas que já destruíram suas florestas”, teorizou, valendo-se da velha técnica de jogar nas costas de outros culpas que não são suas.

De fato, os problemas ecológicos são um fenômeno de sociedades industriais. Também é fato que os países industrializados só passaram a se preocupar com o meio ambiente depois que aniquilaram quase todo o seu verde. A voracidade dos Estados Unidos em relação aos recursos naturais, desde suas origens como nação, não tem igual. Foi assim, também, com a Europa e o Japão.

Mas no Brasil, com algo próximo a 150 milhões de hectares de terras improdutivas – um oceano de solos que equivale a dois Chiles ou a quinze Coreias historicamente defendido por oligarquias carcomidas com balas e chantagens –, a fome é resultado de má-fé, não da defesa do meio ambiente. Com um pouco menos de obtusidade política e um pouco mais de consciência social, a miséria no país já teria sido superada há muito tempo.

O discurso de Paulo Gudes não tem o menor cabimento. Ele está fazendo mero proselitismo para tentar defender o governo brasileiro de cobranças sobre a sua irresponsabilidade ambiental, como as queimadas na Amazônia, e limpar o terreno para o essencial da sua política.

Língua afiada

Um ponto que esclarece bem a sua missão é o anúncio de que o Brasil vai aderir ao acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) que abre a estrangeiros licitações públicas e compras governamentais. Num ataque de sinceridade sobre como ele vê os grupos econômicos do Brasil, disse que “200 milhões” de brasileiros são “trouxas servindo a seis empreiteiras e seis bancos”.

Paulo Guedes chegou em Davos com a língua afiada, vindo de um jantar no Instituto Hoover, da Universidade Stanford, organizado pela Mont Pelerin Society, grupo que reúne economistas e intelectuais neoliberais de diversas partes do mundo. A organização nasceu em 1947, na localidade homônima na Suíça, mesmo país onde ocorre o Fórum Mundial de Davos, a Montanha Mágica do livro de Thomas Mann.

Na sua fundação estavam ícones da história do neoliberalismo, como Friederich Hayek – seu primeiro presidente – e Milton Fiedman, principais teóricos da Escola de Chicago, a meca de neoliberais extremistas como Paulo Guedes. Suas ideias são consideradas a gênese do projeto neoliberal, a oposição visceral ao socialismo e à social-democracia. Além dos ataques ao marxismo, boa parte de suas teorias é dedicada a confrontar o pensamento de John Maynard Keynes.

O neoliberalismo nasceu com a missão de acabar com o papel conferido ao Estado pelo socialismo e pelo keynesianismo – o de ser o agente principal da reconstrução econômica após os banhos de sangue de duas guerras mundiais. Caberia a ele ser indutor do desenvolvimento e figura central na distribuição da riqueza produzida.

A missão precípua do neoliberalismo seria liquidar a ideia de que com a intervenção estatal direta e indireta foram legitimados os valores igualitários, tais como justiça social e solidariedade, que passaram a compor a agenda pública dos países que de uma forma ou de outra implantaram políticas de bem-estar social.

Repetições moralistas

A social-democracia, tornada reformista e keynesiana, salvou o capitalismo. Aos liberais ortodoxos, restou o caminho da oposição. A pequena audiência que encontraram, por décadas a fio, não os esmoreceu.

A situação do liberalismo, tornado neoliberal por Hayek, Fiedman e outros, permaneceu relativamente inalterada até meados dos anos 1970, quando uma série de fatores progressivos e combinados começou a solapar o que até então permitiu o êxito das ideias combatidas pelos neoliberais.

A ascensão de líderes como Margareth Thatcher (1979) na Inglaterra e Ronald Reagan (1980) nos Estados Unidos representou a apoteose do neoliberalismo. A América Latina foi usada como laboratório para suas receitas. As debilidades do socialismo e o influxo da crise do capitalismo compuseram o cenário para a imposição, como pensamento único, das ideias agora defendidas por neoliberais como Paulo Guedes de maneira dogmática.

No evento da Mont Pelerin Society, ele adicionou ao seu mantra repetições moralistas sem moral, como a definição do governo Bolsonaro como defensor de “valores da família e do amor à pátria, parte da alternância de poder, fato natural nas democracias, e defensor do livre mercado e do Estado de Direito, pressupostos de uma sociedade livre”. Mas o centro da sua fala foram as “reformas estruturantes” e o “equilíbrio fiscal”. Foi aplaudido de pé.

Uma dado que também merece considerações, citado por Guedes, é o de que os “princípios” abraçados pela Mont Pelerin são tão vitais no mundo contemporâneo quanto o eram no pós-Segunda Guerra Mundial. Os “princípios” daquele tempo foram costurados por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, mantidos pelos genocídios na Coreia e no Vietnã e sustentados pela geopolítica da Guerra Fria, do Plano Marshall e da ocupação do Japão.

Crescimento sustentável

A face assombrosa e autoritária desses “princípios” ficou ainda mais visível quando seus ideólogos anunciaram, sobre as cinzas soviéticas, a pretensão à univocidade de suas ideias. Desde então, a diplomacia da guerra se intensificou, assim como os ciclos da crise do capitalismo.

O que seria uma “nova economia”, fundada num hipotético capitalismo intelectual comandado pelos donos da tecnologia e da informação, os bites puxando a “velha economia” dos átomos construída pelos magnatas do aço, do petróleo e do automóvel, e imune às crises cíclicas – uma espécie de moto-perpétuo da prosperidade –, se revelou um desastre. Por trás da propaganda surgiu um mundo de negociatas e trapaças, bem visível na quebra de Wall Street em 2007-2008.

As promessas de um novo ciclo após aquele desastre também se mostram um fiasco. O relatório da pesquisa feita pela consultoria PwC com 1.581 chefes de empresas em 83 países apontou que, para 53% dos entrevistados, o avanço da economia global deverá cair em 2020. No ano passado, um desempenho econômico menor era projetado por 29% dos presidentes das companhias, enquanto em 2018 por 5%.

O FMI também se revelou pessimista ao estimar crescimento de 2,9% em 2019 e 3,3% em 2020 — em ambos os casos, com queda de 0,1 ponto percentual sobre as projeções de outubro. A revisão para cima da economia brasileira – de alta de 0,9% para um avanço de 1,2% em 2019; de alta de 0,2%, em relação ao cenário traçado em outubro para uma evolução de 2,2% neste ano; e de 2,3% para 2021, uma redução de 0,1 ponto percentual – não garante um crescimento sustentável.

Via https://vermelho.org.br/