Servidores públicos do Distrito Federal estão amparados pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo. O Governo do Distrito Federal (GDF) se posicionou favorável ao parecer da Suprema Corte que garante todos os direitos civis a casais homossexuais. Entre as garantias asseguradas por lei estão o direito à pensão, à partilha do patrimônio do casal e a extensão de benefícios a dependentes. O parecer do STF prevê ainda a inclusão do parceiro como dependente no plano de saúde e no Imposto de Renda, além de facilitar a aprovação jurídica em questões como adoção, licença-gala e herança.

“O GDF respeita e trata todos os cidadãos de forma igualitária e irá cumprir a decisão do Supremo. Todos os direitos serão respeitados”, assegura o secretário de Administração Pública, Denilson Bento da Costa. A legislação do Distrito Federal já previa, desde 2009, o benefício no caso de pagamento de pensão. Contudo, o direito só era concedido formalmente a partir da comprovação da união estável com um servidor do Executivo.

Preceitos legais
O reconhecimento da união homoafetiva alcançou também as esferas da Polícia Militar do DF (PMDF) e da Câmara Legislativa do DF (CLDF). A corporação, por meio da assessoria de imprensa, informou que cabe à PM cumprir os preceitos legais, sem, no entanto, se posicionar contra ou a favor das cláusulas. Segundo representantes da Polícia Militar, a polêmica gerada pelo entendimento dos magistrados está abaixo da lei e, portanto, manifestações amparadas em pensamentos individuais não serão consideradas.
No caso da Câmara, o presidente da Casa, deputado Patrício (PT), afirmou ser dever de seus representantes acatar o entendimento dos ministros. “Serão definidos todos os benefícios decorrentes das relações homoafetivas que forem requeridos pelos servidores da Casa”, garante Patrício.

O Correio publicou, ontem, matéria apresentando a posição do Exército, que também foi favorável ao cumprimento da legislação no âmbito do pagamento de pensão alimentícia. Na ocasião, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou que irá examinar o conteúdo do parecer final, mas salientou que a norma será cumprida dentro dos limites apresentados por ela.

Rotina
Procurados pela reportagem, representantes do Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal (Iprev) informaram que a rotina de atendimento do órgão não irá mudar com a decisão do Supremo. Isso porque a Lei Distrital Complementar nº 818 já previa o pagamento de pensão a companheiros de servidores de uniões homoafetivas, o que vem sendo, desde então, acatado.

O advogado José Alves, lutou na Justiça pelo reconhecimento da união homoafetiva da irmã Maria Ferreira Alves, servidora do GDF já falecida, com a desempregada Maria Aparecida de Jesus, com que ela viveu por uma década. Depois de três anos da abertura do processo, apesar da união estável não ter sido reconhecida, Maria Aparecida de Jesus teve assegurado o direito à pensão referente ao salário que a companheira ganhava.

“À época, o juiz entendeu que a Constituição Federal era clara em considerar casal somente pessoas do sexo oposto. Por isso, apesar de não ter reconhecido a união homoafetiva, ele considerou todos os desdobramentos dela”, explica José Alves. Ele classifica a decisão do STF como uma vitória. “Se ela tivesse valendo naquela época, teria sido muito mais fácil. Acredito que em seis meses a um ano a questão já estaria resolvida. A lei se aproxima da sociedade agora. Essas relações já existiam, o que faltava era que a lei entendesse isso”, concluiu.

Postura inovadora
A partir de 2009, o pagamento de pensão a companheiros de homossexuais passou a ser um direito assegurado em lei no Distrito Federal. A Câmara Legislativa aprovou o texto que prevê o benefício, desde que seja comprovada a união estável com um servidor do Governo do Distrito Federal. A proposta que estende oficialmente os direitos a casais homossexuais tramitou durante um ano no Legislativo local, antes da sanção. O processo foi iniciado em junho de 2008, quando foi votado o projeto de lei complementar que criava o Instituto de Previdência do DF (Iprev). Com a medida, os distritais estabeleceram o regime próprio de aposentadoria e pensões dos servidores do GDF. O pagamento da pensão para casais homossexuais foi inserido por meio de emenda.

O texto foi aprovado pelos distritais, mesmo com a resistência da bancada evangélica. Apesar disso, a proposta foi vetada pelo governo. Depois de reformular o conteúdo, o Executivo enviou novo projeto à Câmara Legislativa. Em menos de um ano, recebeu a aprovação dos deputados e a sanção do então governador José Roberto Arruda. Antes disso, Pernambuco e Rio de Janeiro eram os únicos estados a conceder o benefícios aos funcionários públicos gays.

Anglicanos favoráveis
A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) publicou carta assinada pelo bispo dom Maurício José Araújo de Andrade em apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal. Segundo ele, o entidade religiosa recebeu o entendimento dos ministros com serenidade. “Tal aprovação representa um importante avanço em nossa sociedade na busca pela superação de todas as formas de preconceito e um aperfeiçoamento no conceito de igualdade e cidadania numa sociedade marcada pela pluralidade, mas também por profundas desigualdades e discriminações”, afirma dom Maurício em um dos trechos do documento.

O bispo destacou, contudo, que a mudança de entendimento levanta sérios desafios aos cristãos de todas as igrejas. “Reconhecemos que há ainda muito o que fazer nesse campo, pastoral e socialmente, para afirmar a dignidade da pessoa humana e seus direitos. Sabemos que um profundo e longo debate deve acontecer na sociedade brasileira a este respeito, e a IEAB não está isenta de dele participar, com profunda seriedade e compromisso de entender as implicações do evangelho de Jesus Cristo em nosso tempo e lugar”, reiterou.

A postura dos anglicanos foi divulgada um dia após a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CCBB) se posicionar contrária ao reconhecimento da lei e acusar o STF de ter ultrapassado os limites de sua competência.

(Marina Labòissiere, Correio Braziliense)