Importante projeto do Governo do Distrito Federal (GDF), o processo de privatização da CEB Distribuição está no centro de um embate interno que agora é apurado pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Ex-gerente financeira da empresa que controla o grupo, a CEB Holding, a contadora Maria da Penha Felipe Soares, servidora concursada dos quadros da instituição, acusa o presidente do conglomerado, Edison Garcia, de coação, abuso de poder diretivo e represália. A estatal nega quaisquer irregularidades.

Maria da Penha é integrante do Conselho de Administração da CEB Distribuição, no qual representa os empregados. Foi nessa função que alega ter sido coagida para se retirar da 8ª Reunião Ordinária do Colegiado, que ocorreu em 12 de junho de 2019. Na ocasião, segundo ela, Edison Garcia apresentou, como extrapauta, a desestatização da subsidiária responsável pelo fornecimento de energia na capital da República.

A conselheira disse ao Metrópoles que Edison Garcia pediu para que os profissionais de apoio, como procurador e secretária, se retirassem e, então, utilizou-se de uma hipótese de conflito de interesses para impedi-la de participar das deliberações em torno da alienação das ações.

Ainda segundo a servidora, naquele momento, ela deixou a sala “porque estava perante um conselho no qual sou a única mulher. Me retirei extremamente abalada emocionalmente pelo abuso de poder que aconteceu naquele momento”.

Confira o relato:

A ata da reunião indica que Maria da Penha é quem teria suscitado conflito de interesse. Posteriormente, a funcionária questionou o registro formalmente. O imbróglio veio à tona em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em 27 de junho. Dois meses depois, Maria da Penha perdeu a função de gestora na CEB Holding e, consequentemente, um plus salarial de R$ 4 mil. Segundo a contadora, o ato que a destituiu foi emitido e assinado quando ela estava de férias.

Notícia de fato

O Sindicato dos Urbanitários no DF (Stiu-DF) apresentou ao MPDFT, em agosto, uma notícia de fato que aponta possíveis ilegalidades na atuação de Edison Garcia no Conselho de Administração da CEB Distribuição. A entidade mencionou outros problemas a fim de colocar em xeque a privatização da subsidiária.

Diretor do Stiu-DF, João Carlos Dias frisou que há “preocupação em evitar a participação de representantes dos empregados” nas decisões envolvendo a privatização. “Um voto contrário em um processo desse, que naturalmente já é complicado, pode gerar percalços jurídicos ou administrativos de difícil superação. O fato em si já revela a falta de transparência, independentemente de um eventual voto contrário ou minoritário no Conselho de Administração”, destacou.

Cabe ao colegiado tomar partido a respeito das contas da estatal, eleição e demissão de diretores, fiscalização da atuação dos gestores e pronunciar-se sobre orçamento, estimativa de receita e programa de investimentos, por exemplo.

A Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público (Prodep) coleta informações para verificar eventuais indícios de irregularidades. Representantes do Stiu-DF já foram ouvidos e um ofício foi enviado ao presidente da CEB para prestação de esclarecimentos sobre a exclusão da conselheira da reunião. Segundo o MPDFT, Maria da Penha também será chamada.

O Stiu-DF disse, na denúncia, que houve manobra para coagir, constranger e induzir ao erro Maria da Penha. De acordo com o sindicato, a discussão sobre venda de ações e controle acionário da empresa não está entre as hipóteses de conflito de interesse.

O Stiu-DF usou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – regime ao qual os empregados da CEB estão submetidos – como argumento. O art. 448 da norma indica que a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

Para o sindicato, houve abuso de poder diretivo, pois Edison Garcia teria utilizado-se da posição hierárquica para coagir a conselheira a se retirar “sem qualquer parecer que embasasse a argumentação”.

Ainda conforme a entidade, tão logo foi discutida, a matéria extrapauta acabou encaminhada como objeto de votação para a Assembleia de Acionistas, que decidiu pela elaboração de estudos e modelagem para privatização, em 19 de junho. Esse processo feriu o Regimento Interno, segundo a notícia de fato protocolada no MPDFT, porque o assunto só poderia passar para frente após aprovação da ata do conselho em reunião posterior.

O documento narrou ainda que, embora seja competência do presidente do Conselho de Administração a inserção de tema urgente, o assunto foi levado a Edison Garcia, que não ocupa a chefia do colegiado em razão de vedação estatutária. “Fato que demonstra sua posição de hierarquia perante os demais conselheiros mesmo sem atribuição regimental para tanto”, assinalou.

A notícia de fato afirmou também que o Conselho de Administração não observou e discutiu, na reunião de 12 de junho, a anuência prévia que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deve dar sobre a transferência do controle societário da companhia, conforme o estatuto interno. Em nota à reportagem, a Aneel confirmou que não houve pedido formal da CEB para anuir a troca de controle da distribuidora.

Pareceres

A CEB disse, em nota, que os fatos relatados não representam a verdade do que ocorreu na 8ª Reunião Ordinária e nos dias subsequentes. Informou, também, que a Consultoria Jurídica da companhia e a Procuradoria-Geral do DF emitiram pareceres no sentido de que os conselheiros de Administração eleitos pelos empregados da empresa estatal estão conflitados a deliberar sobre a desestatização da empresa. Os documentos, enviados ao Metrópoles, são datados de agosto, ou seja, após o encontro do colegiado alvo dos questionamentos.

Segundo a CEB, independentemente de parecer jurídico formal, todos os conselheiros “têm o dever de evitar qualquer voto ou deliberação em conflito”. A organização disse que Maria da Penha foi quem optou por se retirar, “sem qualquer contrariedade ou questionamento perante os outros presentes”.

A CEB afirmou ainda que, na reunião citada, Maria da Penha se manifestou desconfortável com a pressão que recebia dos empregados sobre as deliberações a respeito da desestatização. Ainda segundo a companhia, Maria da Penha registrou na ata, por vontade própria, sua situação de conflito e desconforto, mas, uma semana depois, em 18 de junho, “mudou a versão dos fatos em voto escrito, tentando justificar perante os empregados e quiçá os dirigentes sindicais”.

A companhia completou que a narração da conselheira “foi desmentida por todos os demais conselheiros, o que gerou representação contra ela”. “O processo, que investigará a veracidade dos fatos e a sua conduta ética, está sob investigação no Comitê de Auditoria Estatutária das empresas, órgão independente composto por profissionais de mercado.”

Contradição

Segundo a companhia, os outros conselheiros se manifestaram por expresso em mensagens eletrônicas e na reunião seguinte, em 16 de julho, conforme registro em ata, “desmentindo a versão trazida em voto posterior e intempestivo [de Maria da Penha]”. A nota destacou que a privatização levará ao fim da vaga de empregados no Conselho de Administração, “o que contraria o direto interesse financeiro da empregada, que perderá o pagamento do valor inerente aos encargos de conselheiro”.

Sobre a demissão de Maria da Penha da função de gerente financeira, a CEB informou que a decisão é dos dois diretores financeiros, da Holding e da CEB Distribuição, e ocorreu por necessidade do serviço. “Registra-se também que a empregada ocupava cargo em comissão, subordinada ao diretor financeiro, não tendo ela qualquer subordinação ao presidente da CEB”, assinalou.

A CEB disse que recebeu, na última quinta-feira (19/09/2019), o pedido de informações do MPDFT, mas não havia tomado conhecimento de tudo o que consta nos autos. “Mas apresentará todas as informações e documentos inerentes ao fato para que o MP exerça suas prerrogativas.”

Via https://www.metropoles.com