As tragédias de Mariana e Brumadinho reacenderam o debate sobre a segurança das barragens, um terreno bastante pantanoso. Existem no Brasil pouco mais de 24 mil reservatórios e represas, segundo relatório de 2017 da Agência Nacional de Águas, órgão do governo federal. Destas, apenas 780 passaram pela vistoria de “algum órgão de fiscalização”, pouco mais de 3% do total.
“Precisamos de ações efetivas, e não de medidas emergenciais. A segurança dos cidadãos, em seu sentido mais amplo, deve ser uma política de Estado. Isto vale para tudo: segurança pessoal, de pontes, viadutos e barragens”, comenta o geólogo Renato Eugenio de Lima, professor da Universidade Federal do Paraná e coordenador do Centro de Apoio Científico em Desastres, conhecido pela sigla Cenacid. No Paraná, a situação de risco permanente está mais do que evidenciada.
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Para o diretor da Associação de Operadores de Usinas, Subestações e Sistemas (Apous) e coordenador da Intersindical dos Eletricitários do Sul do Brasil (Inter-sul), Sérgio Vieira Fonseca, existe um alto risco potencial associado ao grande volume d’água armazenado na bacia. “Se levarmos em consideração a distribuição desses reservatórios, um na sequência do outro, em um mesmo rio, qualquer ocorrência de desastre pode tomar dimensões incontroláveis”, diz o dirigente, “podendo atingir, inclusive, parte da Argentina e do Paraguai, uma vez que esses cursos são afluentes do Rio Paraná, que percorre essas regiões.”
Desde 2011, arrasta-se pelos corredores da Agência Nacional de Energia Elétrica um questionamento da Apous, da Intersul, do Ministério Público Federal e da Procuradoria-Geral da República em relação aos critérios de controle e supervisão do sistema elétrico brasileiro pela teleassistência. Os reclamantes entendem que a legislação sobre seus procedimentos precisa ser aprimorada, pois “a teleassistência carece de clareza e objetividade”, como observou a PGR em uma nota técnica.
Este modelo permite que as empresas realizem todas as operações de monitoramento por meio de Centros de Operação. O temor é que este método elimine, num futuro próximo, a figura humana do operador. O reservatório de Salto Santiago, por exemplo, localizado na Bacia do Iguaçu, com volume de 7,4 bilhões de metros cúbicos, poderá vir a ser gerido pelo centro de operações da empresa localizado em Florianópolis, Santa Catarina, distante 700 quilômetros do local. “Não somos contrários ao uso da tecnologia, ela é fundamental. Queremos apenas que os operadores estejam presentes para tentar minimizar os efeitos de possíveis catástrofes”, diz Fonseca.
O professor da UFPR, especialista em acidentes de grandes proporções, lembra de um fato ocorrido no ano 2000, quando o conduto que transferia o óleo bruto do Porto de São Francisco, também em Santa Catarina, para Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, se rompeu. “Foi o maior acidente em sistemas pluviais do planeta”. Passados 13 anos da catástrofe, a Petrobras foi condenada a pagar uma multa de 1,4 bilhão de reais.
Por que ocorreu um acidente de tal magnitude? Simplesmente, porque não havia observadores de plantão. Bastaria que uma pessoa fechasse o registro mais próximo ao vazamento e tudo estaria resolvido. A Petrobras, por política interna, havia reduzido o número de empregados responsáveis por esse trabalho. “O sistema falhou e não tinha ninguém para observar in loco”, afirma Lima.
No Brasil, as usinas e as subestações de energia elétrica foram constituídas com assistência local, ou seja, operadas por equipes que trabalhavam em turnos ininterruptos de revezamento durante as 24 horas do dia. Com o avanço tecnológico, as empresas começaram a adotar a assistência remota em algumas de suas instalações. Com isso, as manobras ficam à mercê de um comando único, executado por um computador a centenas de quilômetros. Se, porventura, o comando de teleassistência falhar, não haverá uma estrutura operacional suficiente para resolver a situação de emergência. Segundo a Aneel, cerca de 80% do sistema elétrico brasileiro, a incluir geração, transmissão e distribuição de energia, é teleassistido.
Fonseca diz que uma das motivações que levam as empresas a adotar o modelo de teleassistência é o custo. Haveria uma redução significativa de engenheiros e técnicos. “Neste caso, é uma questão de custo, de lucro mesmo. A teleassistência, no modelo sugerido, está voltada para o controle sistêmico das atividades, e não à segurança dos reservatórios e da população que mora nas imediações das usinas”, alerta. “Isto poderá causar não só graves problemas às operações das barragens, mas também um risco incalculável para milhares de vidas.”
Fonte: https://www.cartacapital.com.br