O transporte clandestino de passageiros nunca esteve tão livre como em 2011. Por todos os cantos do Distrito Federal, motoristas de carros de passeio, vans e até ônibus oferecem o serviço ilegal sem se preocuparem com a fiscalização. Quem ganha a vida com a atividade irregular sabe que a repressão está branda e aproveita para expandir a atuação. No Recanto das Emas, já existe até despachante para controlar a saída dos piratas, e na Rodoviária do Plano Piloto é cada vez maior a quantidade de pessoas captando passageiros das empresas de ônibus autorizadas a rodar na cidade. O crescimento do negócio à margem da legislação está diretamente ligado à precária estrutura do Transporte Urbano do DF (DFTrans), principal órgão de combate à pirataria na capital do país.

Os números comprovam uma queda brusca de apreensões por esse tipo de infração. No ano passado, a média de veículos flagrados afrontando a legislação vigente era de 69 por mês. Este ano, a média registrada pelo Grupo Antipirataria do DFTrans é de apenas oito a cada 30 dias. Uma redução de 88%. O cenário só não é pior porque o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) consegue manter uma sequência de operações.

Há algumas explicações para a baixa produtividade do DFTrans. Uma delas é que, durante nesses primeiros meses de 2011, seis das sete viaturas usadas na fiscalização servem para o recadastramento do Passe Livre. Militares do Exército utilizam os carros para percorrer as cidades na tentativa de reorganizar o problemático sistema de bilhetagem eletrônica implantado pelo GDF ainda no governo anterior. Com apenas um veículo, o órgão encontra dificuldades para desenvolver suas ações.

Outro ponto que favoreceu a escalada na apreensão dos piratas foi a redução de agentes nas ruas. O Grupo Antipirataria contava com 17 fiscais para cobrir todo o DF — número já considerado longe do ideal. Em 2011, apenas 10 fazem o trabalho. O restante foi transferido de setor. Com as folgas, as férias e atestados, dificilmente mais de sete estão diariamente à disposição. O diretor operacional do órgão, Ricardo leite de Assis, admitiu os entraves, e ressaltou que a rotina não voltará ao normal antes de 90 dias.

Na última semana, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), assinou um decreto determinando que a gestão da Fácil volte às mãos do GDF. A transição do sistema da entidade privada para o setor público deve durar três meses. Vencendo esse prazo, o DFTrans deve retomar o controle das viaturas. “É certo que hoje estamos travados, mas quando acabar o processo de saída da Fácil, espero que as viaturas retornem. Estamos preparados para voltar a atacar a pirataria com mais força do que antes”, afirmou Ricardo Assis.

Ousadia
Enquanto a estrutura do órgão não é retomada, a população do DF assiste ao crescimento desenfreado de veículos sem autorização circulando pela cidade, colocando em risco a vida de milhares de pessoas que dependem do transporte público. Na última semana, o Correio flagrou vários motoristas oferecendo seus “serviços” a passageiros que esperavam nos pontos de ônibus. Na parada em frente à Candangolândia, automóveis disputam as baias reservadas ao embarque e desembarque de passageiros com coletivos. Alguns piratas baseiam a passagem pelo ponto minutos antes do horário dos ônibus. “Se o ônibus para a Asa Sul passar às 8h, eles (piratas) trafegam às 7h50, porque sabem que tem muita gente esperando nesse horário. Eu sei dos riscos, mas vale mais à pena do que ir num ônibus que mais parece uma lata de sardinha”, confessou a secretária Maria das Graças Medeiros, 39 anos.

A situação mais crítica é verificada em Valparaíso (GO). No município goiano situado a 35km de Brasília, a pirataria conta com uma estrutura que lembra uma empresa. Mais de 30 carros fazem parte do esquema, que é coordenador por um homem, que, segundo fontes do DFTrans, seria um policial militar de Goiás. À paisana, é ele quem organiza a fila de veículos que saem da cidade com destino ao Plano Piloto. A atividade já é tão enraizada no lugar que os próprios usuários do transporte público sabem onde esperar para embarcar num veículo clandestino. Na parada em frente ao comércio principal de Valparaíso, o ponto dos piratas fica a pelo menos 100 metros da parada tradicional de ônibus. Chama a atenção que a parada irregular sempre está mais cheia do que a autorizada. “É bem mais rápido e confortável”, conta um homem, que preferiu não
se identificar.

Queda livre
Em 2010, o DFTrans apreendeu 837 veículos fazendo transporte pirata. O que dá uma média mensal de 69. Nos três meses de 2011, apenas 25 carros foram recolhidos ao depósito do Detran, média de 8 por mês. A boa notícia é que a Polícia Militar, na figura do Batalhão de Trânsito, tem mantido uma rotina de operações. Este ano foram 77 veículos apreendidos pela unidade.

(Saulo Araújo, Correio Braziliense)