Mesmo com a decisão judicial que liberou os leitos de UTI de hospitais particulares para os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), não houve nenhuma internação na rede privada ontem. Quem precisa de uma vaga nas unidades de tratamento intensivo ainda aguarda atendimento especializado. Ontem à tarde, havia 48 pessoas na fila de espera. O Sindicato Brasiliense dos Hospitais Particulares afirmou que as vagas estavam disponíveis desde cedo e que, ainda assim, a Secretaria de Saúde não enviou nenhum paciente. A alegação é rebatida pelo governo, que garante não ter encontrado nenhum leito na rede privada, apesar dos sucessivos contatos realizados pelos técnicos da Central de Regulação.

A polêmica deve ser encerrada hoje, depois que as unidades particulares forem notificadas sobre a decisão do juiz Rômulo de Araújo Mendes, da 5ª Vara de Fazenda Pública. Na última sexta-feira, o magistrado determinou que os hospitais privados reabram as portas para os pacientes do SUS, já que a Secretaria de Saúde tem um contrato em vigor com esses estabelecimentos. A multa diária em caso de descumprimento da liminar é de R$ 50 mil. O Sindicato Brasiliense dos Hospitais Particulares garante que vai recorrer a partir de 10 de janeiro, quando termina o recesso do Judiciário.

A suspensão dos atendimentos nas UTIs da rede privada durou uma semana. Durante esse tempo, o estado de saúde de alguns pacientes graves piorou, levando suas famílias ao desespero. A auxiliar de serviços gerais Natalina Gomes da Silva, 48 anos, está em coma na sala de pós-operatório do Hospital de Base. Ela foi internada no último dia 10, por conta de uma infecção hospitalar — contraída na própria unidade depois de uma neurocirurgia.

O médico responsável por Natalina assinou um laudo, atestando a necessidade urgente de internação em uma UTI. Na última sexta-feira, a família procurou a Defensoria Pública, que entrou com uma ação pedindo internação imediata. No mesmo dia, saiu uma decisão judicial determinando a liberação de um leito para Natalina. Ontem à tarde, porém, a paciente permanecia à espera de uma vaga.

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“Logo depois da cirurgia para retirada de um aneurisma, ela estava muito bem. Mas aí surgiu essa infecção e ela começou a piorar muito rápido. Tenho medo do que pode acontecer se não conseguirmos logo a vaga na UTI”, desabafa Antônio Weverson Gomes dos Santos, 19 anos, filho da auxiliar de serviços gerais.
A coordenadora da Central de Regulação de Leitos de UTI da Secretaria de Saúde, Mônica Iassanã, conta que os funcionários começaram, desde a manhã de ontem, a procurar vagas nos hospitais particulares que têm contrato com o governo. “Todas as ligações são gravadas, temos como comprovar que os leitos não estavam liberados. Apenas os hospitais Santa Marta, São Lucas e São Francisco ofereceram vagas hoje (ontem), mas foram poucas, apenas aquelas que eram ocupadas por pacientes que tiveram alta e foram liberadas”, afirma Mônica.

O GDF tem contrato com hospitais particulares do DF para alugar 125 leitos de UTI. Os estabelecimentos privados alegam que o governo deve R$ 103 milhões aos empresários do setor, mas a Secretaria de Saúde não reconhece toda a dívida (leia Entenda o caso). A gerente do Sindicato Brasiliense dos Hospitais Particulares, Daniele Feitosa, afirma que os leitos das unidades estavam disponíveis desde o início da manhã de ontem.

“Tomamos essa decisão (de liberar os leitos) depois de uma reunião com o governador, no último sábado, em que ele se comprometeu a resolver o problema. Não precisávamos reabrir os leitos antes da notificação da liminar, mas resolvemos fazer isso depois do acordo com o GDF”, explica.

Ontem à tarde, a secretária de Saúde, Fabíola Nunes, participou de uma reunião na Corregedoria Geral do DF para discutir a crise das UTIs. Ela levou documentos que comprovariam que a pasta não tem nenhuma dívida referente ao aluguel dos leitos neste ano. “Tenho um reconhecimento judicial de que estamos totalmente em dia com os pagamentos”, afirma Fabíola, referindo-se à liminar da última sexta-feira. Na decisão, o juiz afirma que os pagamentos referentes a 2010 estão em dia.

Fabíola Nunes critica a decisão dos estabelecimentos em negar as vagas. “A notificação judicial pode demorar um pouco, já que são quase 15 hospitais e o oficial de Justiça precisa ir pessoalmente a todos. Mas, depois disso, eles terão que liberar os leitos contratados, sob pena de pagarem uma multa de R$ 50 mil por dia. Esperamos que o problema esteja resolvido já nesta terça-feira”, disse.

A secretária de Saúde discorda do contrato firmado com os hospitais particulares na última gestão. Ela alega que o governo tem de pagar pelo aluguel dos leitos e também pelo material e pelos medicamentos usados pelo paciente do SUS. “Esse contrato que o governo firmou com os hospitais não garante o melhor uso dos recursos públicos. Pelo acordo firmado, o governo tem de pagar R$ 126 por um frasco do antibiótico Imipenem, que aqui na rede eu compro por R$ 18. Esse é só um exemplo, mas há vários outros.”

ENTENDA O CASO
Desativação de leitos
A crise nos leitos de UTI começou em abril, quando os hospitais particulares decidiram cobrar uma dívida de quase R$ 60 milhões da Secretaria de Saúde. Esse valor seria referente ao atendimento dos pacientes nos 125 leitos contratados pelo governo para dar suporte à demanda. Os empresários ameaçaram romper os contratos, mas fizeram um acordo com o GDF, depois que o governador Rogério Rosso prometeu sanar a dívida. No início de dezembro, no entanto, os hospitais privados voltaram a denunciar a falta de pagamento, que estaria acumulada em mais de R$ 103 milhões, segundo a entidade. Diante da resposta da Secretaria de Saúde, que afirma estar em dia com pagamentos de 2010 e garante não dispor de previsão orçamentária para o pagamento de débitos de anos anteriores, os hospitais anunciaram a desativação dos leitos alugados. O GDF entrou na Justiça, que mandou os estabelecimentos privados retomarem os atendimentos.

(Helena Mader, Correio Braziliense)