O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou dos seus oito anos de mandato pelo menos um ano inteiro fora do país. Foram 262 viagens, sendo 28 delas para a África. A fonte da informação é insuspeita: o embaixador do Itamaraty Hermano Telles Ribeiro usou tais números, em palestra na Fecomercio, em São Paulo, para explicar como o Brasil passou a exercer papel de destaque no cenário internacional, com participação em diversos grupos de representação e cooperação mundo afora.

O embaixador representou o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, que cancelou sua participação no evento, e afirmou aos presentes como ponto norteador das ações do governo o princípio da não indiferença para com países em pior situação econômica ou política.

Citou como pontos fundamentais na formação do conceito três passagens logo nos primeiros anos do governo Lula: a posição contrária do país à invasão do Iraque pelos Estados Unidos; a inviabilização da Área de Livre Comércio das Américas (Alca); e a rejeição de um acordo visto como desfavorável aos países agrícolas membros do G-20, na conferência de Cancún em 2003.

O tratado firmado entre Brasil, Irã e Turquia para enriquecimento de urânio com fins pacíficos foi, acredita Ribeiro, um marco “que será estudado pelos livros de história”, e só não foi bem sucedido pelo pré-julgamento feito pela comunidade internacional: “A primeira coisa que fizemos, depois do acordo, foi comunicar as grandes potências. Elas sequer quiseram conhecer o conteúdo. Quando o Brasil conseguiu aquilo que todas as potências queriam, os outros países não souberam reconhecer e impuseram as sanções”, avaliou.

O evento teve ainda uma mesa de debates que, além de Ribeiro, contou com o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva e o professor José Augusto Guilhon de Albuquerque, da USP.

Lins da Silva avaliou que o Brasil por vezes se aventurou desnecessariamente em uma série de missões internacionais, deixando de atuar como mediador em conflitos entre países vizinhos e tendo atuação variada, porém dispersa: “Acho que fomos inocentes em acreditar em um interlocutor com o histórico do Irã”, disse, e completou: “O resultado foi que tomamos uma facada nas costas”.

Telles rebateu: “O importante é estabelecer o diálogo. O discurso condenatório de uma país desenvolvido em relação a um em desenvolvimento produz efeito contrário ao desejado”.

Guilhon defendeu que a política externa brasileira está por demais centrada no processo, mas que os resultados até agora obtidos não correspondem ao sucesso que o discurso tenta vender. Disse não ver vantagens, hoje, na participação da Venezuela no Mercosul: “Sem o Brasil, o Mercosul não vai pra frente. Mas com a Venezuela, muito menos”.

Todos os convidados concordaram que o país deve caminhar por relações que não sejam pautadas por uma ideologia comum, mas pelo respeito entre nações.

O embaixador ponderou que, apesar da dificuldade em se assumir posições diferenciadas no que se refere às relações internacionais, o Brasil está “trabalhando de forma generosa para reduzir as assimetrias existentes”, em especial na integração do espaço sul-americano. “Os bolivarianos podem até ser radicais, mas é preciso conviver com eles”, afirmou.

(Vandson Lima, no Valor Econômico)