Dilma não é Lula. Este é o mantra que as principais lideranças do movimento sindical têm repetido desde o início da campanha e que, agora com Dilma Rousseff eleita presidente da República, já começa a ser posto a prova.

Enquanto Luiz Inácio Lula da Silva foi, por seis anos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma, nas palavras de um líder sindical, “até bem pouco tempo atrás nem sabia como funcionava um sindicato”.

A percepção é de que a relação entre centrais sindicais e o governo Dilma será, na visão dos dirigentes, mais formal do que o foi com o presidente Lula.

Para os dirigentes das seis maiores centrais sindicais brasileiras, que respondem por 5,9 mil sindicatos e um orçamento conjunto superior a R$ 115 milhões, o cálculo para o período que começa no ano que vem e se estende até 2014 é de que é preciso estabelecer “pontes” entre o governo e o movimento sindical, uma vez que o canal direto – Lula – deixa o Planalto em 30 dias.

Os sindicalistas têm mantido conversas semanais com integrantes do governo e da equipe de transição, como Paulo Bernardo, do Planejamento, Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, e Carlos Gabas, da Previdência, acerca de temas como o salário mínimo de 2011.

Além disso, o ex-ministro Antonio Palocci, coordenador da equipe de transição de Dilma, tem demonstrado maior interesse em se aproximar – iniciativa que é bem vista pelos sindicalistas, que almejam um canal próximo à presidente.

“Por oito anos, só precisávamos ligar para ele [Lula] ou falar com o [Luiz] Dulci [ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência] para agendar uma reunião. Agora precisamos nos cercar de pontes para, ao menos, fazer esse caminho ser rápido como tem sido”, resume um dirigente sindical, influente entre as centrais e próximo à equipe de transição.

As “pontes” passam por cravar ministros próximos às centrais para, juntos à pressão no Congresso, liderada pelo presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, deputado federal (PDT-SP), influir na reforma política que a equipe de Dilma fala em aprovar.

Nomes como o de Padilha e o atual ministro do Trabalho Carlos Lupi, são elogiados, e Palocci, que antes era desenhado como próximo dos empresários e do mercado financeiro e distante do movimento sindical é visto, agora, com tintas menos carregadas.

Segundo apurou o Valor, o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, foi encarregado por Palocci para intermediar o contato com as centrais. De acordo com Marcos Afonso, secretário de relações sindicais do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, que apoiou Dilma, e integrante da direção da União Geral dos Trabalhadores (UGT), a única das seis centrais a ficar neutra na disputa eleitoral, o metalúrgico do ABC avisou que “basta à central redigir um documento com uma pauta que ele [Marques] entrega a Palocci, que diz estar disposto a se reunir com todos”, afirma.

Procurado pela reportagem, Marques afirmou, por meio da assessoria do sindicato, que está de folga pós-eleitoral. Com a eleição do atual presidente do PT em São Paulo, Edinho Silva, como deputado estadual, Marques, que também é o vice do PT-SP, vai assumir a presidência.

“Estamos dispostos a conversar com todos, especialmente porque a hora para conversar e acelerar os contatos é agora”, diz Ricardo Patah, presidente da UGT, entidade que conta com dois diretores na lista de possíveis secretários do governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), com quem se reuniram na semana passada.

A construção de pontes entre as centrais e Dilma ambiciona, segundo apurou o Valor junto aos principais estrategistas do movimento sindical, influenciar decisivamente a reforma política, a ser debatida entre o Executivo e os congressistas. Segundo dois estrategistas próximos a sindicalistas e integrantes do governo, o movimento vai, aos poucos, “convergir para o voto em lista”, que, segundo advogam, garantiria a participação de candidatos ligados às centrais no Congresso.

Para Artur Henrique, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior do país, “a reforma política é uma questão crucial do governo Dilma e, entre as medidas, a ideia do voto em lista é muito interessante”. Para João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, o voto em lista é “importante” porque “fortalece os partidos”.

A ideia está embasada na percepção de que com Dilma a relação não será apenas sindical, mas também partidária. “Lula tem sindicalismo no seu DNA, então se as centrais estavam em Brasília às 16h, poderia calhar uma reunião com o Lula às 18h e, dali, dependendo do dia, esticava para um jantar. Com a Dilma precisamos levar em conta nossa ligação com os partidos da base”, diz uma fonte próxima às centrais.

A agenda de demandas das centrais, no governo Dilma, é mais complexa do que fora nos anos Lula, quando a prioridade era a “consolidação”. Sob Lula, dirigentes das centrais passaram a fazer parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), criado em maio de 2003, que unia empresários, sindicalistas e assistentes sociais.

Além disso, tiveram, em 2008, a aprovação da Lei 1.648, que permitiu o repasse de 10% do total arrecadado com a contribuição sindical às seis centrais – receberam, apenas em 2008 e 2009, o equivalente a R$ 146,5 milhões.

Sob Dilma, as demandas não dependem apenas da boa vontade do chefe do Executivo. São elas: a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, a aprovação da convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que proíbe a demissão imotivada e o aumento continuado do salário mínimo.

À exceção desta última, as duas primeiras batem de frente com organizações empresariais, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que já se colocou contra a redução da jornada, e de associações empresariais, que avaliam que a convenção 158 “barraria” a contratação de pessoal.

“Estamos em um processo de avaliação. A Dilma não é o Lula, não tem aquele tino sindicalista dele, de falar alto e abraçar. A relação será mais formal, mas o mais importante é manter o espaço conquistado”, resumiu Sergio Luiz Leite, primeiro secretário-geral da Força e integrante do Codefat, conselho que administra os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Segundo Leite, “o mais importante agora é influenciar na composição do ministério”.

Para Antônio Neto, presidente da CGTB, próxima ao PMDB, e um dos poucos sindicalistas presentes na festa da vitória da campanha Dilma, em Brasília, a futura presidente “tem total noção da importância das centrais para a construção de uma política social e trabalhista”, diz. Para um dirigente de outra central, a permanência de Lupi no Trabalho será a primeira indicação de que “Dilma vai nos receber do jeito que Lula sempre fez”.

Lula foi apenas o segundo presidente a indicar um líder sindical a um ministério, quando escolheu Ricardo Berzoini, ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, e Luiz Marinho, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, para ocuparem as Pastas da Previdência e do Trabalho, respectivamente – antes deles, apenas Antônio Rogério Magri, ex-presidente do Sindicato dos Eletricitários fora ministro, do Trabalho, no governo Fernando Collor.

A disputa para ocupar a Pasta do Trabalho, no governo Dilma, divide, de maneira surda, as duas maiores centrais sindicais do país: a CUT, ligada ao PT, e a Força, ligada ao PDT. O atual ministro do Trabalho, Carlos Lupi, se insere na cota do PDT, partido onde a influência de Paulinho, líder do PDT na Câmara, é muito grande.

Sem declarar publicamente, dirigentes da CUT ainda esperam “reaver” o prestígio ministerial perdido quando Marinho deixou o governo para concorrer – e ganhar – pela Prefeitura de São Bernardo do Campo, em 2008.

O presidente da entidade põe panos quentes, afirmando que já conversou com o presidente do PT, José Eduardo Dutra, pedindo isonomia na decisão. “Falei para ele que o papel da central não é indicar ministro, mas influenciar na política do governo”, diz.

Enquanto isso, Paulinho articula para o PDT não só assegurar a Pasta do Trabalho, mas também arrancar outra Pasta ministerial – a Secretaria de Pesca, que poderia ter um dirigente da Confederação Nacional dos Pescadores, da Força Sindical, como titular, o que ampliaria sua influência junto ao governo para, dizem pessoas próximas ao deputado, “galgar espaço para a disputa municipal de 2012”.

(João Villaverde, Valor Econômico, 30.11.10)