A primeira governadora é acriana. Iolanda Fleming, antes de governar o Acre, apoiou o golpe militar de 1964. A força da família lhe rendeu dois mandatos de vereadora e um de deputada estadual até ser eleita vice-governadora em 1982. A posse efetiva no cargo máximo do Executivo local ocorreu em 1986. “Violenta e temperamental”, segundo a oposição, Iolanda fundou a primeira Delegacia da Mulher do estado.
As pioneiras da Câmara tiveram uma posição dúbia. Única eleita para a Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição de 1934, Carlota Pereira de Queirós liderou 700 mulheres num movimento de assistência a feridos da Revolução Constitucionalista. Após ser eleita deputada, lutou pela redemocratização do país durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Quase 20 anos depois, também apoiou o golpe de 1964.
Eunice, Iolanda e Carlota inovaram como gestoras ou legisladoras, mas não romperam com o ranço político da época. Eleita, Dilma Rousseff vai tentar deixar essa herança, mas já divide impressões sobre o significado dessa conquista inédita na democracia brasileira. “Teria sido um avanço se a mulher eleita tivesse protagonismo político. O que se espera é que um presidente tenha um passado. Dilma foi ministra de Lula, é presidente por causa de Lula, que a inventou”, critica o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Octaciano Nogueira. “Foi um tremendo avanço eleger Dilma como presidente do Brasil. Ela não entrou pela via familiar, não foi escolhida por Lula de forma aleatória. Dilma tem um trabalho anterior, trajetória e coerência política”, rebate Teresa Sacchet, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP).
Contradições à parte, a chegada de Dilma à Presidência não é um fato isolado. O Brasil soma-se à Argentina e à Costa Rica, que têm mulheres na chefia de Estado. A primeira da América Latina foi Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile. No cenário local, a vitória da petista ocorre num momento de sucessivos avanços das mulheres na política, mesmo que ainda sejam percebidos reveses, como composição da Câmara dos Deputados a partir de 2011. Em 1994, as mulheres representavam 6,4% das candidaturas para deputado federal. Na disputa deste ano, a proporção pulou para 12,9%, mas apenas 3,2% conquistaram o mandato em 3 de outubro. Há quatro anos, a proporção foi de 6,9%.
Na Argentina e na Costa Rica, onde as presidentes são mulheres, 38% dos membros dos parlamentos são do sexo feminino. No Brasil, a proporção feminina na atual legislatura é de 8,9%. Entre os países da América Latina, o índice é superior apenas ao do Panamá (8,5%). Um estudo da USP conduzido por Teresa Sacchet mostrou que as brasileiras gastam em média metade do que os homens em suas campanhas. Elas também recebem menos apoio dos partidos políticos. “Agora, a eleição de uma mulher presidente da República pode incentivar outras mulheres, doadores e partidos”, diz Teresa.
Linha de frente
O país demorou a ter as primeiras mulheres na linha de frente do Congresso. A primeira deputada a emplacar sucessivos mandatos foi Ivete Vargas, sobrinha do ex-presidente Getúlio Vargas. Ficou na Câmara entre 1951 e 1969, e voltou em 1983. Fez oposição ao regime militar de 1964, mas era amiga do general Golbery do Couto e Silva. Por seu lado combativo, historiadores reconhecem Ivete como um marco da participação feminina no Congresso, apesar do varguismo.
Agora, na onda do lulismo, a primeira mulher na Presidência tem a oportunidade de fazer história. “Lula vai interferir muito. Ainda vai sair muita faísca”, afirma Octaciano Nogueira. “O grande avanço está no fato de os brasileiros terem eleito uma mulher presidente da República. E Dilma é sensível para as questões de gênero”, diz a pesquisadora da USP Teresa Sacchet.
(Vinícius Sassine, Correio Braziliense)
