Os casos mais conhecidos da presença de golpes ou algum tipo de mutreta estão sob a investigação da Polícia Federal. Pela Operação Tormenta, a corporação constatou fraudes em seleções como a da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Além desses, de 2009 para cá, dezenas de outros concursos tiveram irregularidades comprovadas ou estão sob apuração. A estudante C., que pediu para não ser identificada, foi uma das inscritas no concurso que previa 340 vagas para agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de 2007 e se viu frustrada com o cancelamento das provas após o vazamento dos exames organizados pelo Núcleo de Comunicação Eletrônica da Universidade Federal do Rio Janeiro (NCE).
“Eu me senti prejudicada, porque a nova data da prova, em 2008, coincidiu com testes para o concurso da Polícia Federal, que também participei”, relata. Apesar de ter se dedicado durante meses em um curso preparatório para a PRF, C. escolheu a prova da PF por ter obtido a classificação anterior. Dependia apenas do teste físico, que a reprovou. “Tinha grandes chances na PRF, mas acabei sem vaga em lugar nenhum. Fiquei com a sensação de que em todos os concursos há alguém beneficiado ilicitamente”, desabafa. Apesar da descrença, ela ainda persegue o sonho de se tornar uma servidora.
Transparência
A PRF está com outro certame paralisado, cujas vagas também são para agente. Dessa vez, a seleção foi organizada pela Funrio, que luta na Justiça após um pedido de rescisão do contrato devido a novo vazamento das respostas. A corporação policial deixou claro que não tem condições de tocar o certame se a organizadora não devolver os cerca de R$ 11 milhões arrecadados com taxas de inscrição. Enquanto isso, cerca de 110 mil inscritos continuam com o futuro incerto. Mas os problemas não afetam apenas os órgãos mais procurados. Em pequenas prefeituras do interior, as falhas são constantes.
De acordo com o promotor de Justiça do Maranhão Jorge Luis Ribeiro, as irregularidades são comuns em provas para as prefeituras do estado. Um dos casos recentes mais emblemáticos é o da cidade de Barra do Corda, que ofereceu 916 vagas em diversos cargos, mas está, atualmente, sob investigação do Ministério do Público devido a várias denúncias, entre elas, a suspeita de inexistência de uma sede física da empresa Sicope, organizadora da seleção. “As prefeituras precisam entender que a licitação não deve se resumir a escolher a empresa mais barata. É preciso avaliar a que oferece a melhor capacidade técnica”, pondera Ribeiro.
Em Tocantins, a situação não é diferente. Os casos mais recentes envolveram as prefeituras de Guaraí e de Tupirama. Na primeira, o Ministério Público estadual recomendou mudanças no edital para corrigir pontos em que faltou transparência. Com relação a Tupirama, o pedido foi para anulação do certame, em resposta à acusação de que um número suspeito de aprovados estaria ligado à atual administração. As falhas incluem ainda exigência de requisitos para preenchimento de cargos não previstos em lei, realização de inscrições apenas na sede da prefeitura e experiência mínima de dois anos para o cargo de procurador, entre outras. Atualmente, o concurso está suspenso e as nomeações, impedidas.
Credibilidade
Na avaliação da Fundação Universa, a principal causa para os problemas de segurança nas seleções é o cronograma apertado, que dificulta a solução de imprevistos. Entre os métodos adotados pela empresa, está a investigação social de todos os colaboradores, fornecedores e bancas pedagógicas, além da exigência do compromisso com o sigilo por meio de termos de confidencialidade. O abalo na credibilidade da lisura dos concursos vai além dos casos de fraude e leva muitos candidatos a questionarem até decisões judiciais, a exemplo do engenheiro mecânico André Sobral, 38 anos, morador de Recife (PE), que passou para agente federal da PF, em 2009, mas foi reprovado no teste físico.
“Fiz barras e salto. Uma corrida de 12 minutos começou exatamente às 12h30, sob um sol escaldante. Onde fica a isonomia, já que muitos fizeram a prova às 8h30, enquanto eu, no horário em que o sol está mais quente?”, pergunta, indignado. Apesar de ter conseguido parecer do Ministério Público Federal, atestando o risco de morte súbita na realização da prova, a Justiça negou o recurso impetrado pelo engenheiro mecânico.
Para não deixar dúvidas quanto à lisura e combater as irregularidades, a vice-presidente da Associação Nacional de Apoio e Proteção aos Concursos (Anpac), Mariane Ferreira, reivindica um estatuto para as seleções públicas no país que tipifique os golpes como crime. “Infelizmente, devido à falta de regulamentação, muitos fraudadores acabam impunes”, lamenta Mariane.
(Fonte: Gustavo Henrique Braga, Correio Braziliense)