A Lei 11.340/2006, batizada Maria da Penha em homenagem a uma cearense vítima por 20 anos de agressão doméstica, completa no próximo dia 22 de setembro de 2010 quatro anos de vigência e simboliza a luta árdua de milhares de mulheres que convivem diariamente com a violência dentro dos lares. Na Capital Federal, as três Varas especializadas criadas pelo TJDFT para atender a demanda da nova norma contabilizam mais de 12 mil processos, um aumento de 33% comparado ao mesmo período de 2009. Em todo o DF, mais de 35 mil processos já foram ajuizados por vítimas de agressões.

Longe de um consenso, a aplicação da Lei de Violência Doméstica contra a Mulher ainda gera muitas dúvidas por parte da sociedade e dá margem a diferentes interpretações no âmbito da Justiça. Toda vez que um relacionamento conturbado ganha as manchetes de revistas e jornais por ter tido um final trágico, os questionamentos sobre a “Maria da Penha” voltam a fazer parte do debate popular.

Muitas perguntas, algumas respostas

Qualquer mulher agredida que denuncie o caso à Justiça terá seu processo apreciado a luz da Lei Maria da Penha? Que tipo de relação doméstica está abrangido pelo novo ordenamento jurídico? As ações relativas à violência doméstica são condicionadas à representação da vítima ou são incondicionadas? O homem agredido pode se valer da Lei Maria da Penha contra sua agressora? Por que tantos processos são arquivados? Afinal, nesses quatro anos da Maria da Penha, devemos comemorar ou não?

Para a juíza Maria Isabel da Silva, titular do 1ª Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher de Brasília, a Lei Maria da Penha é clara em seu texto. “O artigo 5º da norma exige que a violência contra a mulher ocorra no âmbito da unidade doméstica, no seio familiar e na relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida”. Segundo a magistrada, a Lei 11.340/2006 é especial e tem destinatários certos. Quando os requisitos para sua aplicação não estão presentes, devem-se buscar outros ordenamentos. “No meu entendimento, a lei visa proteger a mulher hipossuficiente na relação íntima de afeto, subjugada pelo seu ofensor, numa relação de dependência, seja econômica ou psíquica. Relações amorosas furtivas, sem nenhum traço de compromisso, não se enquadram na proteção da Lei Maria da Penha, embora amparadas por outros institutos”.

Dos 35.038 processos ajuizados no Distrito Federal no período de setembro de 2006 a julho de 2010, apenas 7.790 estão em tramitação, sendo que 27.248 já foram arquivados. Nas três varas de Brasília, dos 12.128 distribuídos, apenas 2.318 estão em tramitação. O principal motivo dos arquivamentos é a falta de interesse da vítima no prosseguimento da ação.

Nos processos cujas agressões são consideradas de menor potencial ofensivo, como ameaças, xingamentos, lesões corporais leves a ação judicial permanece condicionada à vontade da vítima, ou seja, depende de sua representação contra o agressor para ter prosseguimento. De acordo com a juíza Maria Isabel, na maioria dos casos, para manter a relação afetiva, as mulheres resolvem dar mais uma chance ao agressor e desistem da proteção do Estado.

No DF, dos cinco promotores de Justiça que atuam juntamente com os magistrados nos processos de violência doméstica, apenas um entende que até nos casos de agressões leves a ação deveria ser incondicionada, ou seja, que não dependeria da vontade da vítima para ter continuidade, mas do Ministério Público. Como a aplicação da Lei é recente, não existe ainda jurisprudência consolidada sobre algumas divergências de entendimento.

Outro ponto que merece ser esclarecido: A Lei Maria da Penha entrou em vigor para proteger a mulher. Embora alguns homens tenham ajuizado ações contra agressoras com base na “Maria da Penha”, alegando o princípio constitucional da igualdade, o ordenamento jurídico foi criado para reequilibrar a relação homem/mulher, cuja estatística demonstra ser ainda bem desigual quando relacionada à violência doméstica e familiar.

Quanto à necessidade de mudanças no texto normativo, a juíza Maria Isabel afirma que a Lei Maria da Penha não precisa descer a minúcias. “Não há dúvida que a mulher unida por laços familiares ou civis ao seu agressor está amparada pela lei, sendo ela sua primeira destinatária. Outras vítimas de agressões, fora desse rol, estão protegidas por outros institutos e cada caso dependerá da avaliação do juiz e do promotor.”

Como a mulher deve proceder em casos de violência

A principal medida que a mulher vítima de violência doméstica deve tomar é denunciar seu agressor. Para atender essa demanda, algumas cidades contam com as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM). Caso não haja DEAM na região, a vítima pode fazer a ocorrência em qualquer delegacia próxima. Alguns hospitais e universidades também estão aparelhados para oferecer atendimento médico, psicológico e jurídico sobre o tema.

Em Brasília, as três varas dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher funcionam no Fórum José Júlio Leal Fagundes, situado próximo ao Carrefour Sul. Nas outras regiões administrativas, os juizados de competência geral e criminais estão localizados nos respectivos fóruns locais. Existe ainda o disque-denúncia nº 180.

(Fonte: www.tjdft.jus.br)