São três os fatores que mais influenciaram esse resultado, que gera preocupação, devido ao possível impacto sobre a inflação. Um deles é a proximidade da correção do salário mínimo, cujo aumento real foi de 7,5% em 2012. Outro fator é a força de mobilização dos sindicatos que negociaram acordos no fim do ano passado. Mas foi o recuo da inflação – do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que deflaciona a maior parte dos reajustes – que garantiu ganhos reais significativos.
Entre setembro e dezembro, o INPC recuou 1,22 ponto percentual, considerando-se o resultado acumulado em 12 meses. A média de aumento real conquistada em 193 convenções assinadas no terceiro trimestre foi de 0,86%. No último trimestre do ano, a média disparou, chegando a 1,81%.
Variação da média de reajuste
“A queda na inflação explica boa parte do ganho real. O fim do ano foi um período mais difícil para a economia, no cenário nacional e no internacional, o que deve ter dificultado as negociações”, diz Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. De fato, a média de reajuste nominal variou pouco desde agosto, atingindo o piso de 8,01% em dezembro e o teto de 8,62% em outubro.
Apesar do momento pouco favorável aos trabalhadores – durante o segundo semestre, eles ouviram dos sindicatos patronais que a situação econômica estava difícil e, portanto, não havia como conceder reajustes mais expressivos -, algumas categorias com data-base nos últimos três meses do ano acabaram puxando para cima a média geral de ganho real.
Esse é o caso dos metalúrgicos de São Paulo. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, cuja base é de 800 mil trabalhadores, conquistou 10% de aumento nominal no ano passado, o que representou 3,13% de ganho real. A data-base do sindicato é em novembro.
Se a mesma negociação ocorresse em setembro, o ganho real ficaria em 2,52%, devido ao elevado patamar em que o INPC se encontrava no mês. Foi o que aconteceu com os metalúrgicos do ABC, que conquistaram 10% de reajuste nominal e influenciaram os acordos da categoria em todo o Estado.
Maioria obteve ganho real
O pequeno número de sindicatos que conseguiu apenas a reposição da inflação comprova as conquistas salariais do último trimestre. Enquanto 21% das convenções só garantiram o INPC no terceiro trimestre, apenas 6% não tiveram ganho real no trimestre seguinte. Entre outubro e dezembro, em 56 convenções (34% do total) o ganho real foi maior que 2%. Entre julho e setembro, apenas 15 (7% do total) conseguiram reajuste igual.
De acordo com o levantamento do Valor, sindicatos em todo o país que atuam no setor de serviços conquistaram os maiores reajustes, ao lado de metalúrgicos e em pregados na construção civil. Os comerciários do Rio Grande do Sul, por exemplo, tiveram aumento real de 2,57% em outubro. Trabalhadores de hotelaria e turismo também se destacaram, principalmente em Minas (dezembro) e no Rio (outubro), onde as negociações renderam 3,7% e 4,07% de aumento real, respectivamente.
Trabalhadores da construção civil em pelo menos dez Estados conquistaram aumento real superior a 2,5% nos últimos três meses de 2011. “Na construção civil, o mínimo é importante indexador para boa parte dos trabalhadores, que recebem salários próximos do piso. Por isso o reajuste [de 14,13%] do mínimo baliza as negociações no fim do ano, quando a valorização do piso nacional estava mais definida”, afirma Borges.
O coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho, aponta para a tendência de reajustes maiores em mercados de trabalho mais apertados. “A taxa de desemprego está caindo muito, o que reflete em disputa maior pelo trabalhador. O resultado é o aumento do salário.”
Em 2011, a média de ganho real apurada em 831 convenções foi de 1,4%. O índice preocupa, devido à pressão inflacionária que carrega. De acordo com cálculos de Borges, a taxa é maior do que o aumento de produtividade da economia brasileira no ano passado, estimado em 1,2%.
“Quando o salário dos trabalhadores cresce mais que a produtividade, ou seja, o trabalhador recebe mais para produzir o mesmo, a empresa tem que repassar a diferença de custo para o preço”, explica ele. “O índice de 1,4% explica, em parte, a inflação ter atingido o teto da meta em 2011.”
Herança
Economista-sênior do banco Santander, Cristiano Souza destaca a herança deixada pelo último trimestre. “É preocupante haver alta de ganhos reais no patamar de 1,81%, quando a produtividade não se acelera. Isso implica aumento do custo de produção. Pagar mais para produzir o mesmo significa perda de competitividade.”
Para Menezes Filho, a tendência é que essa situação permaneça em 2012, uma vez que a taxa de desemprego atinge sucessivos níveis históricos de baixa. “Enquanto a economia estiver crescendo, ainda que pouco, e houver alta da demanda sem aumento da produtividade, a pressão no mercado de trabalho continuará aumentando.”
O coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), José Silvestre, prevê que o ritmo de ganho real no início deste ano deve ficar abaixo do patamar de 1,8%, registrado no quarto trimestre de 2011.
Segundo o Dieese, 2012 deve fechar com média de ganho real nas negociações próxima ao registrado em 2011 – na faixa de 1,4% -, já que os efeitos da crise financeira na Europa devem ser compensandos pela perspectiva de queda da inflação e da taxa básica de juros.
(Valor Econômico, 6.02.12)
