Ao longo de quase duas décadas, a qualquer espirro na economia mundial, o Brasil era obrigado a dobrar ou mesmo triplicar as taxas de juros da noite para o dia para evitar uma fuga em massa de investidores estrangeiros do país. Por trás desse ato de desespero, o medo de uma crise cambial. Mas, por mais agressivo que fosse o Banco Central, o Brasil acabava ficando de joelhos. E o enredo era sempre o mesmo: pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e enfrentar uma recessão, com queda no consumo, na produção industrial e nos investimentos. O saldo final foram anos e anos de atraso no desenvolvimento econômico e um desemprego crônico. Em vez de ajudar, a praga dos juros altos só agravava os problemas.
É verdade que, nos últimos anos, com a consolidação da estabilidade, o país passou a testar juros menores. Há, por sinal, no BC, a determinação de se buscar uma taxa básica (Selic) de um dígito, provavelmente de 9% ao ano ante os 10,50% atuais. Se concretizada, porém, a missão liderada por Alexandre Tombini não livrará o Brasil de um recorde que envergonha a todos há tanto tempo: o de campeão mundial dos juros altos. Quando descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, de 5,3%, a taxa real está em 4,9%, o dobro do segundo colocado, a Hungria, com 2,8%. “O setor produtivo é o mais prejudicado. Além dos juros altos, as empresas são obrigadas a conviver com um câmbio desfavorável, com impostos elevadíssimos, infraestrutura precária e uma legislação trabalhista totalmente defasada”, diz o economista Claudio Porto, presidente da Consultoria Macroplan.

Onda de calote

Os consumidores se viram como podem para conviver com tamanha aberração: comprar a prazo ou tomar empréstimos pode significar juros de mais de 200% ao ano. O jeito tem sido olhar para o valor das prestações e conferir se elas cabem no orçamento doméstico. O problema, diz o economista Carlos Thadeu Filho, da Flanklin Templenton, é que, de dívida em dívida, os consumidores estão passando da conta e o risco é de uma onda de calote tomar conta do país — quase a metade da renda das famílias, 45%, está comprometida com débitos. Para o corretor Paulo Roberto Honorato, 48 anos, não fossem as parcelas a perder de vista, ele não teria condições de comprar tudo o que tem hoje.

No mês passado, ele satisfez o desejo de levar para casa um carro zero-quilômetro. Parcelou em 48 vezes a juros de 0,99% ao mês, o que considerou uma pechincha. “Anos atrás, jamais conseguiria obter tais condições. Além de os encargos serem muito maiores, os prazos de pagamento eram menores. Por conta disso, sempre tive de comprar carros com muitos anos de uso”, conta. “E, mesmo assim, com a ajuda da minha mãe e poupando muito”, acrescenta. A comerciante Maria Iraneida Moraes Barros, 56, nem quer se lembrar das dificuldades do passado para comprar a prazo. “Duas décadas atrás, era tudo muito difícil. Era dinheiro na mão ou não tinha negócio. Para piorar, como vendo carnes, houve um tempo em que o produto sumiu do mercado”, ressalta.

(Victor Martins e Vânia Cristino, Correio Braziliense, 1.°.02.12)