O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central surpreendeu o mercado e decidiu reduzir a taxa de juros básica Selic em 0,5 ponto percentual, para 12% ao ano. A decisão, porém, não foi unânime. Cinco integrantes votaram pela opção ganhadora, enquanto dois queriam a manutenção da taxa em 12,5%.

“O cenário internacional mudou muito depois da última reunião do Copom, está demolidor e pegou nossa economia em franca desaceleração”, disse ao Valor uma fonte do governo. A visão preponderante foi de que a crise nos países centrais terá efeitos sobre a economia brasileira: por um lado, de moderar o crescimento e, por outro, de conter a inflação. E haveria abertura para baixar juro.

Em uma atitude sem precedentes no sistema de metas de inflação brasileiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) surpreendeu até as previsões mais agressivas e decidiu reduzir a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, para 12% ao ano.

Sob o argumento de que a crise externa começa a afetar o desempenho da economia doméstica, o Copom interrompeu o ciclo de aperto monetário que vigorava desde o início do ano para iniciar, sem qualquer intervalo, um processo de alívio monetário – atitude também inédita, que vai na contramão do gradualismo que, historicamente, marcou a condução da política monetária no Brasil.

A reunião de quarta-feira (31) também foi uma das longas da história: foram quatro horas de discussão. Por fim, o placar apresentado foi dividido: dois diretores do comitê votaram a favor da manutenção da taxa Selic – confirmando o caráter polêmico da decisão.

O corte de juros definido ontem conseguiu surpreender até o “ousado” mercado financeiro, que tradicionalmente busca apostas alternativas ao consenso, em busca de ganhos potenciais. Nos contratos de juros futuros, as apostas de baixa se concentravam em redução de 0,25 ponto. Ou seja, o pregão hoje deve ser bastante movimentado, com espaço para ajustes em todos os contratos.

A expectativa é que os vencimentos de curto prazo se ajustem para baixo, captando não só a decisão de ontem, mas, também, colocando no preço a percepção de que a taxa cai, ainda mais, até o fim do ano. Já nos contratos de longo prazo, a tendência é de alta das taxas, em uma atitude típica dos momentos em que o mercado põe em dúvida o compromisso do BC com o cumprimento da meta de inflação. A queda de agora, que surpreendeu, aumenta a incerteza quanto ao comportamento da inflação no futuro. Se o quadro que se espera é de incerteza, o mercado pede mais prêmio para emprestar dinheiro.

No comunicado divulgado após a reunião, o Banco Central mostrou que acredita em um cenário externo muito mais difícil do que o imaginado anteriormente, com possibilidade de uma recessão global ou de um duplo mergulho. Na avaliação do economista do Santander, Cristiano Souza, a autoridade monetária sinalizou um pessimismo maior até do que o previsto pelo mercado. “Esperávamos que o corte da Selic acontecesse mais para frente, em novembro. O BC está com um cenário mais pessimista que o nosso e talvez que o mercado inteiro”, disse Souza.

Souza não vê um momento tão ruim para o mundo, mas só uma visão extremamente pessimista do BC justificaria um movimento tão brusco na taxa. Souza lembra que os efeitos da política monetária têm um atraso de seis a nove meses sobre a atividade. Assim, o BC estaria prevendo que os efeitos da crise internacional poderiam atingir a atividade doméstica no mesmo momento em que os efeitos da alta de 1,75 ponto percentual do primeiro semestre estariam com mais intensos, diz Souza.

Para o ex-diretor do BC e atual estrategista da Tandem Global Partners, Paulo Viera da Cunha, a opção do Copom foi “precipitada” e tornará o esforço da autoridade monetária para colocara inflação na trajetória da meta ainda mais difícil. “Essa decisão é um equívoco. O lado real da economia está desacelerando, mas não acredito que esse impulso monetário vá ajudar”, afirma, lembrando que o crédito ainda aquecido, o reajuste do salário mínimo previsto para 2012 e a expansão fiscal devem continuar alimentando a inflação. “Acho que a situação da inflação no início de 2012 vai se complicar ainda mais”, afirma.

Viera da Cunha observa que há uma clara preocupação do BC com a transmissão da fraqueza da atividade global, mas que essa postura é “exagerada”. “O presidente do Fed, Ben Bernanke, já afirmou que o cenário da atividade americana é fraca, mas não é nada fora do previsto, nada que justifique mais estímulos monetários”, observa. “O nosso BC foi precipitado. Está fazendo uma aposta de que a retração da economia vai ajudar a derrubar a inflação, mas essa é uma aposta difícil. A probabilidade não está do lado deles”, afirmou.

Para o estrategista do Banco Nomura, Tony Volpon, ao decidir cortar a taxa de juros em 0,5 ponto, o Copom mostrou ter cedido a pressões políticas e, com isso, “jogou a meta de inflação para o espaço”. “Agora, a perspectiva de a inflação convergir para a meta ficou para 2013, ou sabe Deus quando”, afirmou.

Para ele, os argumentos usados pelo comunicado do Copom, divulgado após a reunião, mostram que o BC está trabalhando com um cenário parecido com o de 2008 – quando a crise financeira fez a liquidez global “secar” e impôs ações de alívio monetário e fiscal pelos governos. Mas, em sua avaliação, o mundo não vive uma situação sequer parecida com a assistida naquele momento. “As commodities não estão caindo, as bolsas estão se recuperando, enfim, não há uma crise como a de 2008”, afirma.

Para Inês Filipa, economista-chefe da corretora Icap, a decisão, além de surpreendente, foi equivocada. “Não acho que o cenário externo vai ser tão desafiador e desinflacionário, a não ser que tenhamos uma piora da crise, que não é o meu cenário principal”, disse. “A decisão foi um equívoco. As expectativas devem piorar. Não sei o que esperar da próxima reunião, pois não há histórico para que eu possa comparar”, disse.

Em 2008, continua Filipa, a queda ocorreu após a queda do Lehman Brothers, que levou a uma forte desaceleração da economia brasileira, agravada por problemas com derivativos cambiais. “Hoje não há um cenário internacional tão ruim que impacte o Brasil tão fortemente e que contribua para trazer a inflação à meta”, disse.

A conclusão da economista é que o BC hoje olha apenas para o crescimento da economia. “Ele diz que tem que trabalhar com regime de metas, mas o foco parece ser o PIB”, completa Filipa.

(Valor Econômico)