Foto: Roberta Quintino/STIU-DF

Em um cenário onde a estabilidade e segurança de fundos de pensão são de fundamental importância para seus participantes, a tentativa de incorporação das fundações da Eletrobras surge como uma questão complexa e cheia de riscos. Durante o segundo dia do seminário “Os desafios da previdência complementar no setor elétrico”, aspectos como transferência de gerenciamento, riscos aos participantes e atuação dos conselheiros foram discutidos.

Para falar sobre o assunto, a atividade contou com a presença do consultor e ex-diretor da Previc, José Roberto Ferreira, que destacou as complexidades e as consequências de uma possível transição nos fundos de pensão.

Ferreira destacou que, embora a direção da empresa possa argumentar sobre a viabilidade econômica da incorporação, existe o risco real de desinteresse na manutenção do plano de previdência, levando à possibilidade de retirada de patrocínio. “Isso poderia resultar na perda do objeto dos planos originais, trazendo prejuízos significativos aos participantes”.

Um dos pontos mais críticos abordados foi a mudança na estrutura de governança. Os planos de previdência vinculados à Lei Complementar 108 prezam por uma governança com proporção paritária entre participantes e patrocinadores nos conselhos deliberativos e fiscais. “A transferência de gerenciamento poderia diluir essa representatividade, afetando o poder decisório dos participantes e, por extensão, a gestão dos planos”.

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Além disso, a questão do desmembramento e transferência de ativos foi um tema de destaque. A transferência de ativos entre entidades, sem a devida avaliação, abre margens para prejuízos significativos, como a perda na valorização de imóveis e a potencial escolha de ativos menos vantajosos para compor o plano de destino.

Diante desse cenário, Ferreira enfatizou a importância da atenção e da manifestação contrária ao processo, especialmente por parte dos conselheiros. O parecer de uma oposição bem fundamentada poderia, na sua visão, impedir a aprovação de processos prejudiciais aos interesses dos participantes.

O consultor destacou ainda a Resolução PREVIC n° 23/2023, que permite a maior participação dos participantes assistidos nos processos de licenciamento. Essa mudança representa uma oportunidade significativa para os participantes exercerem influência direta sobre as decisões que afetam seus planos de previdência.

FINANCEIRIZAÇÃO DOS PLANOS

O Conselheiro Eleito da Vivest e Diretor do Sinergia Campinas, Jurandyr Pimentel, apresentou a experiência da Fundação de Assistência aos Empregados da CESP – FUNCESP, criada em 1969, que após o processo de privatização da Centrais Elétricas de São Paulo (CESP) teve seus planos saldados e substituídos por novos modelos, com foco na financeirização.

Medida que tem sido implementada de forma continua desde os anos 90 com a entrega do patrimônio público. Pimentel destaca que as “privatizações no Brasil tiveram direta relação com o Consenso de Washington, realizado em 1989, que apresentava uma série de recomendações econômicas que funcionaram como instrumento de pressão internacional para a adoção do neoliberalismo, principalmente pelos países subdesenvolvidos”.

O conselheiro apontou ainda as “consequências nefastas das reformas” trabalhista e previdência do governo Bolsonaro para a classe trabalhadora. Ele ressaltou que desde a promulgação da reforma previdenciária, em novembro de 2019, as novas regras de concessão reduziram o valor médio dos benefícios do regime geral de Previdência. Além disso, houve uma aceleração das retiradas de patrocínio de planos de previdência complementar.

Foto: Roberta Quintino/STIU-DF

No período de 2018 a 2022, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), autarquia governamental responsável pela fiscalização dos fundos de pensão, aprovou 433 retiradas de patrocínio e, ao mesmo tempo, aprovou a criação de 104 novos planos.

Para impedir retrocessos e proteger os direitos políticos dos participantes, Pimentel enfatiza a necessidade de que na transferência de Gestão haja maior participação dos representantes dos participantes no processo de transferência, a possibilidade de negociação entre o patrocinador e os participantes na definição da operação, a preservação as conquistas de “direitos políticos” dos participantes e a manutenção dos direitos previdenciários dos participantes na EFPC de destino.

ESTUDO DE CASO

Na atividade, o diretor do STIU-DF, João Carlos Ferreira, apresentou um estudo de caso sobre a Néos Previdência, criada em 2018, e que hoje administra sete planos previdenciários, dentre eles, os planos vinculados aos trabalhadores e aposentados da COSERN, CELPE e COELBA.

João destacou que o processo de incorporação das entidades, FASERN, CELPOS e FAELBA, foi marcado pela unidade e resistência dos sindicatos. A mobilização se deu devido à falta de transparência do processo, bem como ao amadorismo e improvisação da Neoenergia, pouco preocupada com os compromissos e obrigações dos planos e mais interessada no patrimônio das entidades.

Como resultado da mobilização posteriormente foi firmado pela empresa e Intersindical um Termo de Compromisso que garantiu  a paridade na composição dos conselhos, a exigência de maioria absoluta do Conselho Deliberativo em votações que envolva alteração estatutária e 2/3 para mudar composição, prazo de mandato, reeleição, recondução e eleição direta dos membros dos órgãos estatutários, a indicação pelos sindicatos dos (as) conselheiros (as) e diretor (a) de seguridade na transição, até a posse dos primeiros eleitos, o custeio administrativo dos planos CDs assumido integralmente pela patrocinadora, dentre outro avanços.

O dirigente ressaltou também que houve descumprimento pela patrocinadora dos termos pactuados quanto ao processo eleitoral, bem como o desrespeito ao critério dos 2/3 e utilização indevida do voto de qualidade e a não participação dos assistidos na eleição para os órgãos estatutários.

Contudo, ele apontou que o protagonismo e unidade dos sindicatos foi fundamental para diminuir o dano aos participantes e assistidos no processo de incorporação das entidades.

Foto: Roberta Quintino/STIU-DF

PLANO DE LUTAS

A incorporação de fundos de pensão, especialmente em setores estratégicos como o elétrico, levanta questões críticas sobre a segurança e estabilidade dos planos de previdência para os participantes. As discussões apontam para a necessidade de vigilância, participação ativa e oposição fundamentada aos processos que possam comprometer direitos adquiridos. A transparência, a governança equitativa e a segurança dos ativos se apresentam como pilares fundamentais na gestão dos fundos de pensão, sendo indispensáveis para a manutenção da confiança e do bem-estar dos participantes.

Nesse sentido, após as discussões realizadas nos dois dias de debates, os dirigentes sindicais definiram um plano de lutas que contempla as esferas negociais, políticas e jurídicas necessárias para garantir os direitos adquiridos dos participantes e assistidos dos fundos de pensão do Grupo Eletrobras. É necessário a atenção de todos sobre este tema que representa o futuro desta valorosa categoria.

Por Roberta Quintino l Sindicato dos Urbanitários no DF.