“Um Estado fraco, reduzido, onde as pessoas não têm saúde pública, educação gratuita e têm uma aposentadoria ‘que acaba’. É esse país que as pessoas saíram na rua para mudar”, destaca jornalista que cobre protestos.

A população chilena voltou às ruas nesta segunda-feira (28), mesmo após a troca de oito ministros de governo do presidente Sebastian Piñera, porque essa foi uma “resposta política” aos manifestantes que, na verdade, anseiam por transformações sociais e econômicas mais profundas no país, afirma o jornalista Victor Saavedra em entrevista direto do Chile à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual, nesta terça-feira (29).

Correspondente internacional pela Agência Carta Maior, Saavedra confirma que o clima de insatisfação com o governo de Piñera permanece e que a população continua a se articular para sair às ruas em protesto, como já ocorreu em Santiago e diversas outras cidades ontem. Nos últimos 11 dias o país tem visto atos históricos contra a política neoliberal do governo, deflagrada após a tentativa de aumento do valor da passagem do metrô da capital.

“(Piñera) fez o que se podia esperar de um governo neoliberal de direita, deu uma resposta política para jovens que não buscam uma resposta política para demandas que não são políticas. (Este é) um Estado fraco, reduzido, onde as pessoas não têm saúde pública nem educação gratuita e têm uma aposentadoria que acaba. É este o país que as pessoas saíram nas ruas para mudar”, afirma.

Polícia fere e cega

Diante do inconformismo da população com as estruturas neoliberais que permanecem intocadas pelo governo, Piñera tem endossado a violência policial. Mesmo nesta segunda, quando o estado de emergência, decretado pelo presidente no dia 19, deixou de valer, diversas cidades chilenas, incluindo Santiago, registraram casos de forte repressão policial, o que tem chamado a atenção de organismos internacionais por conta do uso excessivo da força.

O correspondente não só confirma a brutalidade dos agentes de segurança, como ele próprio relata ter sido vítima da polícia de Piñera neste último ato. Ele estava com seus equipamentos acompanhando o protesto ao lado de estudantes e trabalhadores quando a polícia atacou. O jornalista chegou a levantar a câmera e se identificar como imprensa internacional, mas mesmo assim levou um tiro de bala de borracha na perna. “Eles não respondem, não ouvem, eles atacam, querem causar um pânico muito grande”, critica. Saavedra afirma que irá procurar o Sindicato dos Jornalistas no Chile e denunciará o governo chileno na Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) aqui no Brasil.

Até agora, já se contam 20 mortos durante as manifestações, de acordo com reportagem do Uol. Ontem, o Colégio Médico do Chile, órgão que fiscaliza o setor naquele país, juntamente com a Sociedade Nacional de Oftalmologia, emitiu nota manifestando preocupação com a conduta violenta das forças policiais, que têm atirado com balas de borracha na região superior do corpo humano, muitas vezes atingindo a cabeça das pessoas, provocando ferimentos graves nos olhos, o que levou à perda de visão para a maioria delas, afirma a entidade – mais de 100 casos foram registrados desde a semana passada, números que podem ser considerados como “epidemia”.

“As pessoas que recebemos relatando esses casos são bastante claras ao apontar que foram baleadas por policiais e militares”, destaca a nota que pede a eliminação do uso desse tipo de força. “Nunca antes na história de nosso país tivemos tantas pessoas em tão poucos dias que ficaram cegas. Apelamos mais uma vez às autoridades policiais do Chile e às Forças Armadas que, de uma vez por todas, eliminem o uso de pistolas de ar comprimido, porque agora estão causando um impacto na saúde visual e na saúde pública do nosso país muito grande.”

O Colégio de Médicos informa ainda que tem coletado as informações para entregá-las à missão especial das Nações Unidas e da Anistia Internacional.

Possibilidade de renúncia

Mesmo com a resistência do povo, que se mantém nas ruas protestando, o jornalista acredita ser remota a possibilidade de renúncia do presidente. “Ele representa toda uma classe dominante, que aqui no Chile se chama de ‘1%’, porque 1% da população chilena tem mais de 30% das riquezas. Então é muito difícil que eles abram mão sabendo que a esquerda irá voltar ao poder”, observa.

De acordo com Saavedra, o país ainda corre o risco de ter novamente decretado o estado de emergência pelo próprio presidente, no caso de o governo achar que não pode controlar os protestos sem o exército. “A gente não pode esperar desse presidente uma resposta diferente”, avalia o correspondente. A outra possibilidade de que o estado de emergência seja decretado é o caso de um acusação constitucional contra Piñera, movida por partidos da esquerda chilena, conseguir ser instaurada e avançar em impeachment, uma vez que o Chile não tem um vice-presidente.

CUT Brasil