A presença de tantos militares nas ruas – com 9.500 policiais – é inédita desde o fim da ditadura militar, em 1990.

Os chilenos amanheceram nesta segunda-feira 21 contando os estragos da pior revolta social desde a redemocratização do país. No primeiro dia útil depois de três jornadas de distúrbios, 27 estações do metrô serão reabertas. Mas o centro da capital está devastado após a intensificação de confrontos violentos entre manifestantes e forças de segurança, no domingo 20.

O cenário nas ruas de Santiago é de destruição: semáforos no chão, ônibus queimados, lojas saqueadas e milhares de destroços nas ruas. A tensão tem aumentado desde o início dos protestos, na sexta-feira 18, desencadeados pelo anúncio do aumento das passagens de metrô, o estopim para várias reivindicações sociais.

“Não é só pelo aumento das passagens, isso foi a gota d’água”, explica à RFI Paula Rivas, presidente da Federação de Sindicatos do Metrô. “Aqui tratamos das pensões que empobrecem os aposentados, do aumento do custo da eletricidade, da privatização da água, da educação e da saúde”, completa.

“Nós rechaçamos a violência, mas estamos de acordo com as reivindicações sociais. As condições em Santiago e no Chile hoje são críticas. Esperamos que o presidente nos diga quais vão ser as medidas imediatas se quiser conter isso”, conclui.

Aos gritos de “basta de abusos” e com o lema que dominou as redes sociais “ChileAcordou”, o país enfrenta críticas a um modelo econômico em que o acesso à saúde e à educação é praticamente privado, com elevada desigualdade social, valores de pensões reduzidos e alta do preço dos serviços básicos.

Transporte público como símbolo

O metrô de Santiago estava fechado desde sexta-feira, depois que 78 estações e trens sofreram ataques, em um prejuízo calculado em mais de 300 milhões de dólares pela empresa estatal que administra o serviço.

“A passagem de metrô foi um símbolo, como o fósforo num incêndio, mas o governo não entende o que se passa”, diz Gonzalo Winter, deputado oposicionista do partido Convergência Social, entrevistado pela RFI. “O governo acreditava na ideia de que o Chile era um paraíso”, completa.

O ministro do Interior do Chile, Andrés Chadwick, confirmou a morte de sete pessoas, todas durante saques: duas no incêndio de um supermercado e cinco em um incêndio em uma fábrica têxtil. Ao menos 1.500 pessoas foram presas desde o início da revolta.

Em pronunciamento, o presidente Sebastian Piñera afirmou que o Chile “está em guerra contra um poderoso inimigo, pronto para usar da violência sem nenhum limite”.

Lembranças da ditadura

Após uma reunião com o general do exército Javier Iturriaga, que comanda a força de segurança em Santiago no momento, Piñera explicou que Santiago e outras nove regiões, das 16 que formam o país, se encontram em estado de emergência, com 9.500 militares e policiais nas ruas.

As forças de ordem aplicam o toque de recolher a partir das 7 da noite. A presença de tantos militares nas ruas é inédita desde o fim da ditadura militar, em 1990.

“Somos filhas de quem conheceu o golpe e a ditadura militar”, dizem manifestantes que participaram de um panelaço. “Nossos pais têm medo, mas nós ainda não conhecemos esse tempo, por isso não temos medo do toque de recolher. Não temos medo de sair às ruas para protestar”, dizem.

“Acredito que os jovens e estudantes estão aqui porque vemos nossos pais, que trabalham mais de 12 horas por dia, endividados”, explica Eduardo Valdez, de 36 anos, que também participava das manifestações. “É uma combinação de coisas, estamos nos mobilizando para lutar contra esse sistema”, resume.

Para a psicóloga Estefania Justiniano, a raiz do problema está na desigualdade. “No Chile, há uma quantidade muito pequena de pessoas que ganham muito dinheiro. O presidente terá que concordar em mudar algumas coisas, porque se nada for feito, continuaremos protestando”, avisa.

Neste cenário caótico, os três poderes do Estado tentam passar uma imagem de unidade, após um encontro no domingo entre os seus principais representantes no palácio presidencial de La Moneda.

Os estudantes convocaram novos protestos para esta segunda-feira e as autoridades preveem uma grande dificuldade nos transportes públicos.

Carta Capital