O auxiliar de administração David Alves Rocha, 25 anos, conta que não leu nem acessou as cópias do código na internet. “Eu sei que tenho direitos, mas nunca tive a oportunidade de estudar o assunto”, explica. Em todo o país, apenas 16% dos entrevistados afirmaram ter consultado as normas alguma vez, apesar de a maioria — 82% — ter declarado que conhece ou tem familiaridade com as garantias legais.
A conclusão do estudo, segundo um dos coordenadores, o professor e ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, Ricardo Morishita Wada, é de que, apesar de ter noções sobre os direitos e deveres envolvidos em um negócio, o brasileiro ainda exige pouco. “O dado positivo é que o Código tem apenas duas décadas e pegou, as pessoas sabem o que é. Porém, por acharem que não compensa ou que demora a resolver um problema, mais da metade da população, mesmo sabendo que foi lesada, resolve deixar para lá”.
O mais comum, segundo a pesquisa, é que o consumidor reclame apenas quando o valor empenhado é mais alto. Esse é exatamente o caso da servidora pública Isabel Soares, 50 anos. “Eu até iria ao Procon, porque pequenos problemas ocorrem com frequência, mas falta tempo. Tem uma loja a que eu vou sempre, mas o atendimento nunca é bom. Se eu pudesse iria em outra certamente, mas não há opção, por isso acabo voltando”, conta. As únicas vezes em que ela procurou o Instituto de Defesa do Consumidor foi para resolver problemas com terrenos.
Há alguns anos, Isabel foi enganada ao comprar um lote. A área não era residencial e foi demarcada em espaço público. “Me atenderam bem, resolvi o problema rapidamente. Me aconselharam a sustar o cheque e deu tudo certo”, lembra. Ocorre que nem todos os consumidores se sentem confortáveis para levar os impasses para longe dos balcões das lojas.
Vergonha de reclamar
A pesquisa da FGV aponta ainda que parte do público que respondeu à enquete — 8% — não reclama por sentir vergonha. No Centro-Oeste, o número — 9% — é maior que a média nacional. Os índices crescem entre pessoas de baixa escolaridade. Dos entrevistados com ensino fundamental incompleto, 10% ficam intimidados. Entre os de escolaridade alta, com superior completo, apenas 4% sentem o mesmo constrangimento.
A aposentada Aurea Gaiti, 64 anos, adotou um método próprio para se prevenir de problemas com lojas e fornecedores. Quando percebe que o atendimento é ruim, não volta mais. No entanto, considera que as pessoas mais humildes sofrem discriminação. Foi por este motivo que ela já sentiu vontade de ir até o Procon, mas hesitou. “Eu prefiro fugir da humilhação”, confessa. Para ela, levar discussões para o próximo nível significa se expor demais.
Morishita, professor da FGV, diz que esta atitude é preocupante. “Quando você conhece seus direitos e exerce, é um cidadão mais responsável. Mas as pessoas com baixa escolaridade têm dificuldade em assimilar isso. Ao olhar para alguém desprovido de direitos, ela também é desprovida de deveres”, conclui.
Segundo ele, esse é um retrato do país que serve ao governo como ponto de partida para o desenvolvimento de políticas. “Se você tem vergonha para exercer seu direito quando compra um produto que não funciona, que obrigação você tem? É um jogo de perde-perde. Prejudica a pessoa, a sociedade e o mercado”, resume.
(Correio Braziliense)