Já imaginou pagar uma compra, receber o troco a menos e ainda sair da loja sem contestar? Esse comportamento é semelhante ao de 21% da população do Centro-Oeste. Para essas pessoas, é comum enfrentar problemas de consumo, como ficar insatisfeito com o produto ou serviço, e, mesmo assim, não reclamar. No Brasil, 62% dos habitantes raramente criam caso com as empresas, mesmo quando consideram ter motivos suficientes. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrou que, entre as razões que justificam essa omissão, está o fato de 33% não conhecerem os próprios direitos assegurados em lei. Além disso, 38% nunca ouviram falar do Código de Defesa do Consumidor. A FGV ouviu 1,4 mil pessoas, em fevereiro.

O auxiliar de administração David Alves Rocha, 25 anos, conta que não leu nem acessou as cópias do código na internet. “Eu sei que tenho direitos, mas nunca tive a oportunidade de estudar o assunto”, explica. Em todo o país, apenas 16% dos entrevistados afirmaram ter consultado as normas alguma vez, apesar de a maioria — 82% — ter declarado que conhece ou tem familiaridade com as garantias legais.

A conclusão do estudo, segundo um dos coordenadores, o professor e ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, Ricardo Morishita Wada, é de que, apesar de ter noções sobre os direitos e deveres envolvidos em um negócio, o brasileiro ainda exige pouco. “O dado positivo é que o Código tem apenas duas décadas e pegou, as pessoas sabem o que é. Porém, por acharem que não compensa ou que demora a resolver um problema, mais da metade da população, mesmo sabendo que foi lesada, resolve deixar para lá”.

O mais comum, segundo a pesquisa, é que o consumidor reclame apenas quando o valor empenhado é mais alto. Esse é exatamente o caso da servidora pública Isabel Soares, 50 anos. “Eu até iria ao Procon, porque pequenos problemas ocorrem com frequência, mas falta tempo. Tem uma loja a que eu vou sempre, mas o atendimento nunca é bom. Se eu pudesse iria em outra certamente, mas não há opção, por isso acabo voltando”, conta. As únicas vezes em que ela procurou o Instituto de Defesa do Consumidor foi para resolver problemas com terrenos.

Há alguns anos, Isabel foi enganada ao comprar um lote. A área não era residencial e foi demarcada em espaço público. “Me atenderam bem, resolvi o problema rapidamente. Me aconselharam a sustar o cheque e deu tudo certo”, lembra. Ocorre que nem todos os consumidores se sentem confortáveis para levar os impasses para longe dos balcões das lojas.
Vergonha de reclamar
A pesquisa da FGV aponta ainda que parte do público que respondeu à enquete — 8% — não reclama por sentir vergonha. No Centro-Oeste, o número — 9% — é maior que a média nacional. Os índices crescem entre pessoas de baixa escolaridade. Dos entrevistados com ensino fundamental incompleto, 10% ficam intimidados. Entre os de escolaridade alta, com superior completo, apenas 4% sentem o mesmo constrangimento.

A aposentada Aurea Gaiti, 64 anos, adotou um método próprio para se prevenir de problemas com lojas e fornecedores. Quando percebe que o atendimento é ruim, não volta mais. No entanto, considera que as pessoas mais humildes sofrem discriminação. Foi por este motivo que ela já sentiu vontade de ir até o Procon, mas hesitou. “Eu prefiro fugir da humilhação”, confessa. Para ela, levar discussões para o próximo nível significa se expor demais.

Morishita, professor da FGV, diz que esta atitude é preocupante. “Quando você conhece seus direitos e exerce, é um cidadão mais responsável. Mas as pessoas com baixa escolaridade têm dificuldade em assimilar isso. Ao olhar para alguém desprovido de direitos, ela também é desprovida de deveres”, conclui.

Segundo ele, esse é um retrato do país que serve ao governo como ponto de partida para o desenvolvimento de políticas. “Se você tem vergonha para exercer seu direito quando compra um produto que não funciona, que obrigação você tem? É um jogo de perde-perde. Prejudica a pessoa, a sociedade e o mercado”, resume.

(Correio Braziliense)