A Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) aprovou nesta terça-feira (4) um projeto de lei (PL 3.261/2019) que prevê a privatização dos serviços de saneamento básico no Brasil. O autor da matéria, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), foi relator de uma medida provisória (MP 868/2018) sobre o mesmo assunto que perdeu a validade na última segunda-feira (3). O texto, aprovado na CI em regime de urgência após acordo firmado entre os líderes partidários, segue agora para o Plenário.

De acordo com o PL 3.261/2019, a Agência Nacional de Águas (ANA) terá a função de estabelecer normas de referência para a regulação dos serviços de saneamento básico. Essas normas devem “estimular a livre concorrência, a competitividade, a eficiência e a sustentabilidade econômica na prestação dos serviços”, além de “buscar a universalização e a modicidade tarifária”. O projeto estabelece como um dos “princípios fundamentais” do serviço público de saneamento básico a “seleção competitiva do prestador”, que deve atuar concomitantemente nas áreas de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Pela proposta, a prestação do serviço por empresas privadas depende de contratos de concessão. O texto proíbe a celebração de “contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária”. Mas assegura a execução daqueles que estejam em vigor na data de sanção da lei. Contratos de programa firmados entre entes da Federação podem ter o prazo prorrogado para garantir a amortização de investimentos ou ainda ser convertidos em contratos de concessão.

Caso a empresa estatal de saneamento seja privatizada, os contratos em andamento podem ser substituídos por concessões. Se um estado ou município optar por prestar o serviço diretamente, deve indenizar a empresa privatizada “em razão de investimentos realizados e ainda não amortizados ou depreciados”.

Sustentabilidade econômica

O PL 3.261/2019 assegura a sustentabilidade econômico-financeira dos contratos de saneamento por meio do pagamento de taxas, tarifas e tributos. Eles podem ser cobrados diretamente pelas empresas concessionárias para os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais.

O projeto estabelece que todas as edificações permanentes urbanas serão obrigatoriamente ligadas às redes públicas de saneamento e sujeitas ao pagamento de taxas e tarifas. Se essa regra não for cumprida, o usuário fica sujeito a multa. O texto prevê a possibilidade de gratuidade para famílias de baixa renda e a adoção de subsídios para usuários de baixa renda sem capacidade de pagamento, desde que se observe “o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos”.

Críticas ao projeto

O relator do PL 3.261/2019, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), afirma que a matéria “moderniza o marco regulatório de saneamento básico”. Para ele, o desenvolvimento do setor “tem o condão de gerar milhares de empregos, melhorar a produtividade e os níveis de escolaridade”.

— Essa otimização é urgente para superar os graves índices observados no Brasil. Cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada. Metade da população, em torno de 104 milhões de pessoas, não têm acesso aos serviços de coleta de esgoto. Do esgoto coletado, apenas 42% são tratados. São dados graves, que dificultam a melhoria dos índices de desenvolvimento humano e trazem sérios prejuízos sociais e econômicos a diversos setores produtivos —argumenta.

Mas a matéria é alvo de críticas. De acordo com alguns parlamentares, a privatização do serviço pode prejudicar os pequenos municípios, economicamente menos atrativos para empresas particulares.

— Não se faz saneamento, e nenhuma empresa privada fará saneamento, se não houver aporte público nos locais de pobreza. Quantos munícipes conseguem pagar? Vai fazer em Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista [as três maiores cidades da Bahia]. Mas o resto, no lugar de aumentar o acesso à água, vai diminuir, porque os prefeitos não bancam porque não têm condição. Ninguém vai investir se não houver taxa de retorno — afirma o senador Jaques Wagner (PT-BA).

Constitucionalidade

Além do mérito do projeto, outra crítica é quanto à forma. A Constituição proíbe a reedição de medida provisória que tenha sido rejeitada ou perdido a eficácia por decurso de prazo — caso da MP 868/2018. Para alguns parlamentares, o PL 3.261/2019 “dribla” essa imposição constitucional.

— Isso tem todo jeito de um arranjo. É a reedição de uma medida provisória, e a Constituição proíbe. Qualquer empresa ou governante prejudicado vai questionar no Supremo Tribunal Federal. É evidente. No mínimo, é uma pendência constitucional que estamos criando — critica o senador Esperidião Amin (PP-SC).

O presidente da CI, senador Marcos Rogério (DEM-RO), defende a constitucionalidade da matéria. Mas reconhece que o debate pode se estender à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) ou mesmo ao Plenário do Senado.

— Se uma matéria vem na forma de medida provisória ao Parlamento e não há deliberação em uma das Casas por decurso de prazo, a adoção do texto supera o vício de iniciativa. Se o tema for à CCJ, terei a oportunidade de esboçar os argumentos que fundamentam meu entendimento pessoal — afirma.

Fonte: Agência Senado