Passava das 23 horas do dia 10 de julho, terça feira, quando, durante seção da Câmara dos Deputados, o presidente da casa, Rodrigo Maia DEM/RJ, dirigindo-se ao deputado Orlando Silva PCdoB/SP anunciou que o Projeto de Lei 9463/2018, da privatização da Eletrobras, não seria votado nesse ano. Ali estava a consagração de uma vitória dos brasileiros em meio a uma era de trevas e que bem pode ser o prenúncio de uma virada na conjuntura nacional.

Por Íkaro Chaves

Quando a presidenta Dilma Rousseff foi apeada do poder com a consumação do golpe de maio de 2016 estava claro que ali iniciava-se não só um novo governo, mas um novo regime, marcado pelo ataque à democracia, aos direitos do povo e ao patrimônio público. Jamais o Brasil havia experimentado tamanha regressão em tão curto espaço de tempo, com a pressa típica dos ladrões o governo Temer avançou com sua agenda de desmantelamento dos direitos sociais e de privatizações.

Num ambiente de crise persistente do capitalismo a elite econômica brasileira, sem o menor pudor, abriu mão de qualquer projeto nacional de desenvolvimento e passou a dedicar-se, na condição de sócia subordinada, ao assalto do patrimônio nacional. Como não havia perspectivas de ampliação do mercado interno e muito menos disposição para a disputa do mercado internacional o grande projeto da burguesia brasileira passou a ser a incorporação do que restava de serviços públicos explorados por empresas estatais, bem como das atividades econômicas desenvolvidas por essas. É essa lógica que une projetos aparentemente diferentes como o sucateamento da saúde e da educação públicas, a reforma da previdência e a privatização da Petrobras e da Eletrobras, tudo, da saúde das pessoas a insumos básicos como gás de cozinha e energia elétrica passariam a ser apenas novas fronteiras para a reprodução do capital.

O método de ação do regime golpista foi o da doutrina de choque. Aproveitando-se da derrota estratégica sofrida pela esquerda e pelos movimentos sociais, o regime golpista empreendeu ataques em todas as frentes, não dando tempo para que as entidades sindicais e demais movimentos populares sequer organizassem a resistência. Foi no bojo dessa verdadeira blitzkrieg que foram aprovadas a PEC do teto dos gastos, que congelou o investimento público por 20 anos e a selvagem reforma trabalhista, por exemplo. Mas não parou por aí, a entrega do petróleo brasileiro e a reforma da previdência eram objetivos estratégicos dos golpistas, assim como a privatização da Eletrobras, anunciada em agosto de 2017.

Àquela altura parecia impossível impedir a privatização da maior empresa do setor elétrico brasileiro, ainda mais levando-se em conta a conjuntura nacional e a modelagem de desestatização proposta pelo governo, envolvendo uma simples operação de aumento de capital privado na empresa. Os planos do governo eram aprovar a privatização do congresso até o fim do ano de 2017 e concretizar a venda entre março e abril de 2018.

Coube aos eletricitários e a suas entidades representativas a organização da resistência. Por se tratar de uma luta desigual entre uma categoria relativamente pequena e um governo que não havia perdido nenhuma votação no congresso até então, aliado ao capital e ao oligopólio midiático o caminho escolhido foi o de aglutinar os mais amplos setores possíveis, não se restringindo à esquerda, que contava àquela altura com menos de 100 votos na Câmara dos Deputados. Um trabalho persistente e competente de articulação parlamentar, um cuidado grande com a frente jurídica e o engajamento da categoria na batalha da comunicação utilizando prioritariamente as redes sociais formaram os três pilares da luta.

Logo ficou claro que a privatização da maior empresa de energia elétrica da América Latina não seria o passeio que o governo Temer imaginava. Nos debates realizados no ambiente do congresso ficou patente que tudo não passava de uma grande negociata, que não traria nenhum benefício à população, pelo contrário, apenas acarretaria mais aumento na conta de luz dos consumidores, além de comprometer a segurança energética do país e a própria soberania nacional.
A estratégia de ganhar a sociedade para a defesa da Eletrobras também surtiu resultados. Ao mostrar que a conta da privatização cairia no bolso do consumidor e que o parlamentar que apoiasse a privatização estaria votando pelo aumento da conta de luz conseguimos trazer o povo para o nosso lado, fato constatado inclusive por institutos de pesquisa que mostravam uma rejeição de até 70% das pessoas à privatização.

Ao desistir da reforma da previdência em fevereiro de 2018 o governo Temer elegeu a entrega da Eletrobras como seu objetivo fundamental. Entretanto, se a privatização passou a ser a batalha prioritária dos golpistas, a defesa da Eletrobras também se tornou bandeira de todos os patriotas e foi assim que a questão da privatização da Eletrobras foi alçada ao centro do debate nacional. Justamente aí reside o aspecto mais importante da vitória alcançada nesse dia 10 de julho, foi a segunda grande derrota do governo Temer, sendo a primeira a desistência da reforma da previdência.

Faltando pouco mais de dois meses para as eleições de outubro uma coisa é certa, o governo Temer perdeu completamente a validade, mostrou-se incapaz de concluir a própria agenda de desmonte, mas a essa altura do campeonato isso também é irrelevante. A questão fundamental agora é se apenas o governo será derrotado nas eleições ou se seu projeto, encampado por vários candidatos de direita e de extrema direita, também será.

Os eletricitários brasileiros sabem que o arquivamento da privatização pode ser apenas uma trégua até o fim do ano caso o projeto do regime golpista não seja derrotado em outubro e a julgar pela ferocidade do regime, que mantém encarcerado a maior liderança popular do país com o objetivo explícito de impedir sua vitória no pleito, é de se supor que eles estão dispostos a tudo para se manter no poder. Só a união dos verdadeiros democratas e patriotas poderá interromper o desmantelamento da nação.

*Ikaro Chaves é engenheiro e dirigente sindical do STIU-DF