Ao analisar o primeiro caso concreto sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou na noite de ontem que a regra terá validade já nas eleições deste ano. Um pedido de vista da ministra Cármen Lúcia, porém, adiou o desfecho do julgamento em que o deputado estadual Francisco das Chagas Alves (PSB-CE) pede a anulação de decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), que indeferiu sua candidatura com base na nova lei.

Em plenário, o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, que havia pedido vista do processo na última quinta-feira, manifestou-se pela validade imediata da lei. Ele afastou a aplicação do artigo 16 da Constituição Federal, ao argumentar que a Lei da Ficha Limpa não interfere nas eleições. De acordo com o artigo da Carta Magna, leis que alteram o processo eleitoral só podem entrar em vigor um ano depois de sancionadas. A nova lei, que veta a candidatura de condenados por órgãos colegiados, de políticos cassados pela Justiça Eleitoral e daqueles que renunciaram para escapar da cassação, foi publicada em 7 de junho deste ano.

“O Congresso Nacional, que mais perfeitamente conhece o artigo 16 da Constituição Federal e maior interessado nas eleições, não previu que a lei não fosse válida nestas eleições. É melhor que prevaleça aquilo estabelecido pela lei complementar vigente”, destacou Lewandowski.

Durante a sessão, os ministros definiram por cinco votos a dois que a lei poderá ser aplicada nestas eleições. Os ministros Aldir Passarinho Júnior, Arnaldo Versiani, Hamilton Carvalhido e Cármen Lúcia seguiram o entendimento de Lewandowski. “Não há como não se aplicar de imediato. Em nada agride a condição da lei para que ela não seja aplicada imediatamente”, disse Cármen. Já o relator do caso, Marcelo Ribeiro, único a votar na última quinta, manteve seu entendimento de que a lei não poderia entrar em vigor neste ano. “Penso não haver dúvida de que lei que estabelece causa de inelegibilidade altera o processo eleitoral”, afirmou.

Marco Aurélio Mello foi o único que acompanhou o voto do relator. Em junho, ao responder uma consulta, o TSE definiu por seis votos a um que a lei teria validade imediata. Na ocasião, Marcelo Ribeiro havia acompanhado o voto da maioria, sendo Marco Aurélio o voto vencido. Ontem, o ministro voltou a criticar o posicionamento do tribunal. Disse que a “primeira condição de segurança jurídica é a irretroatividade das leis”. “A segurança jurídica passa a ser uma balela. Não vejo como se colocar em segundo plano o que se contém no artigo 16 da carta da República. Parece que não é uma carta rígida, mas uma carta flexível, como um camaleão”, criticou Marco Aurélio.

Caso concreto
A análise do recurso apresentado pelo deputado cearense, condenado em 2006 por compra de votos, foi interrompida com o placar de um a um. Marcelo Ribeiro manifestou-se pela anulação do indeferimento da candidatura do parlamentar. E Arnaldo Versiani votou pela manutenção da decisão do TRE-CE. Segundo ele, a inelegibilidade não é uma pena, mas uma condição estabelecida para a disputa das eleições. Por isso, afastou o argumento de que a lei estaria retroagindo para prejudicar o candidato, que, pela nova regra, fica impedido de concorrer até 2012, oito anos depois das eleições em que teria cometido a irregularidade. Versiani defendeu que a lei alcance aos casos anteriores a publicação da lei.

Depois do voto de Versiani, Cármen Lúcia pediu vista, a fim de formular um voto elaborado. A explicação é que o julgamento desse primeiro caso será usado como exemplo para a análise de todos os processos que envolvam a aplicação da Ficha Limpa. A ministra prometeu levar o caso de volta a plenário na sessão de hoje a noite.

O julgamento do caso só foi retomado ontem porque o TSE contava com sua composição completa de sete ministros titulares. Na última quinta, Lewandowski teria pedido vista porque havia substitutos em plenário, como o ministro José Antonio Dias Toffoli, que, em julho, se manifestou contra a validade imediata da regra em uma ação analisada no Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar das respostas dadas pelo TSE sobre a Ficha Limpa, juristas apostam que a resposta final sobre a eficácia da nova lei será dada pelo STF. Ex-presidente do Supremo e também do TSE, Gilmar Mendes tomou posse ontem no cargo de ministro substituto do TSE. “A lei vai ser objeto de debate no TSE e muito provavelmente no STF. Qualquer mudança na legislação na véspera do processo causa insegurança jurídica.”

Saiba mais

Confira os principais tópicos da Lei da Ficha Limpa:

» Todos os que forem condenados por decisão colegiada ficam impedidos de se candidatar;

» O condenado pode recorrer a uma instância superior para suspender a inelegibilidade. A lei determina prioridade para o julgamento do recurso;

» Políticos que renunciarem ao cargo para escapar da cassação ficam inelegíveis por oito anos, contados a partir do prazo que terminaria o mandato. A lei anterior não previa punição para casos de renúncia;

» Políticos que tiverem o mandato cassado pela Justiça Eleitoral, condenados por abuso de poder econômico ou político, ficarão inelegíveis por oito anos a serem contados a partir do ano da eleição em que a irregularidade foi cometida. Antes da Lei da Ficha Limpa, a inelegibilidade era de apenas três anos, contados a partir do momento em que o ato irregular foi cometido. Pela lei anterior, um político cassado por fraudar as eleições de 2006 ficava inelegível só até 2009, podendo se candidatar em 2010. Com a nova lei, o político só poderia voltar a se candidatar depois de 2014.

Controvérsias jurídicas

» O TSE considerou que a Lei da Ficha Limpa pode entrar em vigor imediatamente. No entanto, alguns tribunais Regionais Eleitorais (TREs) aplicaram o artigo 16 da Constituição Federal, que diz que uma lei que altera o processo eleitoral só pode ter validade um ano depois de sancionada. No entendimento do TSE, a regra não interfere nas eleições. A divergência, porém, deverá ser resolvida de forma definitiva somente pelo Supremo Tribunal Federal.

» Outro argumento apresentado por advogados de candidatos fichas sujas é o de que uma lei não pode retroagir para prejudicar alguém. Entretanto, segundo consulta respondida em junho pelo TSE, a lei não estabelece punições, mas sim critérios para um cidadão se candidatar a um cargo eletivo. Assim, o tribunal entendeu que o impedimento de candidaturas com base na Ficha Limpa não configura pena.

» Alguns juristas também reclamam que coisa julgada não pode ser alterada. Assim, entendem que a inelegibilidade de três anos prevista para quem foi cassado não poderia ser aumentada para oito anos pela nova lei. O mesmo argumento é usado para os casos de renúncia, uma vez que não havia punição para quem abrisse mão do mandato antes de a Lei da Ficha Limpa entrar em vigor.

O que foi dito

” O Congresso Nacional, que mais perfeitamente conhece o artigo 16 da Constituição Federal e maior interessado nas eleições, não previu que a lei não fosse válida nestas eleições”
Ricardo Lewandowski, presidente do TSE

“Não há como não se aplicar de imediato. Em nada agride a condição da lei para que ela não seja aplicada imediatamente”
Cármen Lúcia, ministra do TSE

“Não vejo como se colocar em segundo plano o que se contém no artigo 16 da Carta da República. Parece que não é uma carta rígida, mas uma carta flexível, como um camaleão”
Marco Aurélio Mello, ministro do TSE

(Fonte: Correio Braziliense)